Os filhos guerreavam com palavras ditas aos gritos. Os gritos explodiam nos ouvidos dela numa cadência gradativamente mais perturbadora, como uma orquestra tocada por demônios. Ela dizia palavras de conciliação – olhos fechados -, mas dizia-as em voz a meio passo do inaudível, intercalando momentos de verbo e de respirações profundas.
Ninguém a ouvia, ninguém a notava, ninguém percebia que a mão que tentava passar a marcha tremia.
Um dia inteiro de estresse constante, contato incessante com outros rostos, outras vozes, outros gritos. Conversas desgastantes. Dores de cabeça e sorrisos forçados. Um dia inteiro de outras perturbações. Um dia de cão; e a soma do dia de cão ao bônus dos filhos só poderia resultar nos acontecimentos que se seguiram à última tentativa da filha idiota de retrucar pela bilionésima vez os argumentos do filho imbecil.
A voz dela explodiu num “cala a boca” gutural. VÃO PRO INFERNO! Ela disse. Veias apareciam por todos os lados. Uma metamorfose deslumbrante. Quem ousou dar outro pio de novo? Quem ousou desviar o olhar daquela figura bestial que podia ou não ser uma mãe?
Ninguém ousou desviar o olhar da mamãe.
Mas a raiva veio como um santo remédio. A raiva a libertou. Os gritos de ódio que vinham da alma, e que distorciam a sua voz, eram o bradar da liberdade.
Ela sentiu o corpo flutuar no exato instante em que se deu o fim do seu quadro de histeria. E tentava reprimir com absoluto fracasso a voz de prazer em sua mente que ecoava um “que maravilha!”, em alto e inconfundível som.
Ela chorou muito tempo depois. A cabeça e a garganta ficaram destruídas; e a angústia que sentiu por ter perdido a cabeça com os filhos veio mais tarde no formato de uma lâmina afiada que fazia pequenos cortes em seu coração.
Apesar de tudo, ela sabia, sem que a mente ou a boca precisassem formular palavras, que aquele havia sido o momento mais delicioso e sincero de toda a sua vida.