Você tem pendências?

Quem acharia interessante descobrir coisas sobre si aos 40 anos?

Há quem pratique o exercício de perguntar ao Google, afinal dizem que a internet sabe mais sobre a gente que nós mesmos. Confesso que já fiz isso algumas vezes. Joguei meu nome no buscador e aguardei para ver o que ele ia dizer sobre mim.

Foi surpreendente porque de fato ele sabia de coisas que eu mesma já havia esquecido (e outras que eu desconhecia). É o fantasma da infocracia rondando.

Para além das informações pragmáticas que os algoritmos podem nos fornecer, eu queria mais. Todo artista é cheio de hábitos exóticos e um pouco masoquista também, gosta de sofrer com o desconhecido tornando-o conhecido ou mantendo-o oculto. Ficou confuso? Minha cabeça é assim mesmo.

Em constante busca por autoconhecimento, faço terapia há anos. Em um dado momento cedi às recomendações que os profissionais que me acompanharam sugeriram: faça uma avaliação neuropsicológica pois há fortes suspeitas de…

Fiz. O resultado foi uma descoberta que me desaprumou por várias semanas: sou autista nível de suporte 2. Para quem não sabe exatamente o que é isso, sugiro uma busca no google, pois não tenho tempo nem vontade para explicar agora. Neste momento quero focar em outra coisa: no entendimento que esse diagnóstico me trouxe em relação a uma característica estranha (para dizer o mínimo) que possuo: eu tenho dificuldade em me desapegar. Pelo menos era isso que eu achava, agora sei que não é exatamente assim, isso porque pessoas autistas tem uma forma peculiar de lidar com os acontecimentos.

Eis a minha mais recente conclusão: no meu caso – e no de mais duas pessoas que conheço – a sensação de assuntos não resolvidos é absurdamente nociva. Nós temos manias, e uma delas é a de entender o funcionamento das coisas ao nosso redor. Essas manias fazem parte da nossa forma de compreender o mundo, por isso fazemos muitas perguntas e nos importamos com coisas que a maioria das pessoas geralmente não se importam.

Esse costume de esmiuçar tudo, encontrar vieses nas entrelinhas, compreender as relações dos acontecimentos, as motivações das pessoas, tudo que existe por trás de qualquer situação em que estejamos envolvidos é uma das nossas maiores dificuldades.

Viver em sociedade também é não poder exigir dos outros. A maior parte das pessoas não tem necessidade de falar muito sobre tudo, como alguns autistas têm. E digo alguns porque o TEA é um espectro, ele oscila de maneira diferente em cada um dos cérebros neurodivergentes.

Após centenas de terapias, análises e 7 longos anos de investigação – junto com a avaliação neuropsicológica realizada por um grupo de profissionais qualificados e criteriosos – eu finalmente entendi a razão pela qual os encerramentos são tão importantes para mim.

Nós somos ritualísticos e precisamos vivenciar todas as etapas das nossas relações. A impossibilidade de resolver um assunto é estressor e causa sofrimento. Quando envolve terceiros fica mais difícil porque nem sempre a outra parte é colaborativa. Muita gente consegue largar as coisas no meio do caminho e seguir adiante, nós não. Pessoas no espectro vivem assombradas por questões mal resolvidas, seja porque o assunto foi pouco discutido ou porque a morte simplesmente chegou. Seja como for, isso não tem uma raiz emocional, é muito mais a rigidez cognitiva tomando conta de tudo do que qualquer outra coisa.

Não sei quem está aí do outro lado lendo este texto, mas se você tiver pendência(s) com uma pessoa autista, resolva. É cruel fazer o outro sofrer com algo que ele não consegue controlar. As terapias ajudam, mas tudo é processo e para as pessoas no espectro é doloroso demais todos os dias tentar fazer parte de um mundo que parece não querê-las. Apesar disso nós ainda estamos aqui.

Neste mês da conscientização do autismo eu o convido à seguinte reflexão: você tem pendências com algum de nós?

 

Tem alguma história para partilhar comigo? Eu vou adorar saber. Sobre qualquer assunto, os felizes e tristes, de famílias, amantes, amigos, festas, morte, paixão ou doença. Tudo vale. Posso garantir uma escuta atenta e forte.

Email: deniseverasletras@gmail.com

Instagram: @deniseveras1

Ilustração: “Mulher, Natureza, Cela”. De utilização gratuita: https://pixabay.com/pt/illustrations/mulher-cela-p%C3%A1ssaros-quebra-cabe%C3%A7a-5970360/

 

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