Ana possui a alma inquieta de alguma coisa que a gente chama de arte. Nascida na cidade de Amarante, Nega Ana vive dessa coisa que não tem explicação, desse trabalho que lhe acorda nas madrugadas, que lhe faz esquecer do que o corpo precisa e lhe tira o sossego. Influenciada pela cultura local, a artesã e artista plástica amarantina é uma daquelas pessoas singulares que já nascem destinadas à criação. Faz arte porque é impossível não fazê-la.
“Para mim, se eu não tivesse assim envolvida com arte, eu nem sei o que eu seria hoje.”
Ela nos conta que, desde pequena, é consumida por esse dom, rabisca ideias e pensa além do óbvio. Porém, demorou para se enxergar como artista. Depois de anos vivendo da arte, Ana sabia que tinha alguma coisa extraordinária, mas somente quando recebeu a honraria de ter a data do seu aniversário comemorada como o Dia do Artista Amarantino (22/09) é que se deu conta: “Vixe, então eu sou artista de verdade!”.

Seu engajamento com o cenário artístico local promove transformações significativas na dinâmica da cidade. Em 2021, expôs algumas de suas criações no Casarão de Artes Amarantino, em uma galeria que recebeu seu nome. Além disso, desde 2022 ocupa a Cadeira nª 9 da Academia de Letras, Artes e Cultura de Amarante (Aleama). Atualmente, contribui com o município realizando trabalhos em parceria com a prefeitura, além de se dedicar no desenvolvimento de materiais pedagógicos a partir de itens reciclados. Ana, que já foi professora de dança e de teatro, possui uma forte ligação com a educação.
Então, mais do que “artista de verdade”, Ana Lúcia da Costa Lima é uma artista de alma. Entrega seu corpo e seus dons a serviço de quem lhe bate à porta, pedindo ajuda com algo. Recebe a todos com uma risada acolhedora e oferece à comunidade um pouco do que sua alma está cheia: arte.
No dia 27 de fevereiro, às vésperas do Carnaval, mesmo muito atarefada com a festa colorida, Ana recebeu a Geleia Total em sua casa, com a pressa, a empolgação e as gargalhadas de sempre.
Geleia Total: Como foi que iniciou sua história com a arte? Como foi que a arte te encontrou?
A arte me encontrou desde criança. Na escola, eu já aprontava as coisas. O meu trabalho e os trabalhos dos colegas. O mais interessante é que eu fico rindo sozinha. Porque, quando a professora passava um trabalho, ela dizia assim: “Olha, vou deixar a Ana separada de vocês, porque vocês só querem ficar na equipe dela. Porque eu sempre gostei de fazer essas coisas. Eu gostava de criar, eu sempre gostava de criar. E isso, pra mim, é fundamental. Desde criança até hoje. Aí, cada dia, eu vou aprimorando mais. Eu vou criando mais coisas. Por aí vai.
Geleia Total: E em que momento a senhora viu que era uma artista?
Deixa eu contar. Depois de muito tempo… Eu fui professora de dança e professora de teatro. Tinha grupos de dança, grupo de teatro, dei de música, inclusive, eu estava estudando música, mas eu nunca me achei… Eu sempre fui assim, muito humilde nesse lado aí. Mas, pra mim, o dia que uma pessoa chegou e disse assim pra mim: “Ana…” Aquele vereador, que hoje é o secretário de assistência social, Brandão. O Luanzinho chegou pra mim e disse: “Eu quero que a senhora vá lá em uma reunião que vai ter na câmara.” Então eu disse: “Que reunião?” Ele disse: “Vai, tu vai gostar.” Lá, eu tive a surpresa dele me dizer que eu tinha sido escolhida. No dia do meu aniversário seria celebrado o dia do Artista Amarantino. Eu caí dura! Aí ele disse assim: “Pois é, Neguinha… Aí, pra mim, eu achei assim:
“Vixe, então eu sou artista de verdade!”

Geleia Total: Ana, você sentiu alguma dificuldade no começo para divulgar sua arte? Para as pessoas reconhecerem?
Não assim… Dificuldade… Dificuldade… Porque, deixa eu lhe dizer: o pessoal sempre diz assim: “Nega, tu já era pra ter carro, casa chique!” Porque, eu digo, eu gosto tanto do meu trabalho, eu me empolgo tanto com as coisas que eu faço que, quando… Eu faço de graça, eu participo de grupos, eu vou ajudar…Eu faço porque eu gosto. Aí muita gente reconhece o meu trabalho por causa disso também. Eu adoro fazer coisas na escola, eu gosto de preparar as coisas da escola, eu acho bonitinho.
Geleia Total: A senhora acha que o meio em que a senhora cresceu, a cultura popular, as tradições regionais e até os próprios costumes da cidade influenciam o seu trabalho como artista?
E bastante! Os meus personagens, quando eu vou fazer uma pintura, um trabalho, eu faço em cima das nossas origens, do nosso folclore. Como, por exemplo, um dos últimos que fiz agora para a Secretaria de Cultura. Aí o secretário disse assim:”Vixe, Nega, agora aqui vai ficar parecendo realmente uma Secretaria de Cultura! “Eu disse para ele: “Aqui não parecia uma Secretaria de Cultura.”Aí eu fiz… Então, eu acho que me inspirou bastante. Em tudo que eu faço. Tudo que eu faço tem que ter Amarante pelo meio.

Geleia Total: Amarante é uma cidade histórica e turística, berço de grandes artistas, como Da Costa e Silva, Seu Gregorinho. Em uma cidade com tanta história e arte, como você enxerga o prosseguimento/desenvolvimento do cenário cultural e artístico atualmente? A senhora acha que está conseguindo se desenvolver, que tem que melhorar algumas coisas?
Tem que melhorar algumas coisas, sim, mas tá muito bom. Pelo menos a parte turística tá maravilhosa. Pelo menos o turismo… Geralmente, o pessoal que vem para cá, para Amarante, vem para ver a sua cultura em si, principalmente a cultura em si, a parte física, a parte da história. Eu acho interessante e, com certeza, vai melhorar bastante. E eu quero estar no meio para ajudar.
Geleia Total: Sabemos que a arte surge de uma necessidade, seja ela pessoal, como forma de expressar inquietações, ou financeira, já que muitas pessoas encontram no trabalho artístico um meio de sustento. Como sua arte é um objeto físico, você já percebeu que, muitas vezes, sua produção é vista principalmente como um produto, sem considerar o trabalho sensível envolvido em sua criação?
Eu acho que tem muita gente que faz isso, mas agora… Meu defeito é esse também, porque eu me apego tanto às coisas que eu faço que eu esqueço tudo, esqueço a hora para tudo. Aí, quando eu tô fazendo aquilo ali, eu me empolgo. Aí a pessoa chega ali e pergunta: “Ana, quanto é?” Aí eu digo: “Leva.” Aí meus filhos dizem assim: “Mamãe, a senhora não valoriza seu trabalho.” Mas eu gostei tanto… Aí, quando a pessoa gosta, é que eu fico empolgada. Aí eu acho assim, tem gente que trabalha só pensando no que vai ganhar depois. Eu taco a emoção na frente e esqueço o resto. Porque pode ter mil problemas para resolver as coisas. Mas, quando eu estou trabalhando nisso aí, eu esqueço tudo. Aí a Taiene, minha filha, diz assim: “Mamãe, porque tudo da senhora a senhora esquece do mundo?” Eu esqueço até da hora de almoçar…É assim mesmo, quem gosta do que faz…
Geleia Total:E sobre as suas criações, como funciona para a senhora esse processo? A senhora imagina e desenha… Como funciona?
Às vezes, eu sonho. Tem vários cadernos aí. Eu não sei, eu… a minha cabeça é muito assim… Ela cria muito. Às vezes, eu acordo de madrugada com uma ideia, eu corro e passo para o papel. Eu estou fazendo uns jogos. Eu fiz um curso na Escola de Feltro, eu sou aluna lá. Aí, no último curso que a gente fez, foram várias peças de recursos pedagógicos. O meu professor ligou para mim e disse:”Nega, vai sair o que tu gosta!” Eu tô atualmente trabalhando com recursos pedagógicos, preparo para os professores das escolas. Ele disse: “Ana, vem coisa boa por aí.” Quando terminou, ele disse: “O trabalho final de vocês é montar uma apostila com todas essas técnicas do jeito de vocês.” Eu fiz todas as minhas com material reciclado. Porque o feltro é caro. Então, eu preparei esse material todo reciclado. Eu uso caixa de ovo, palito, copo descartável. Então, aquilo que era feito com feltro, eu fiz com material reciclado. Eles gostaram demais, querem que eu prepare depois essa apostila.

Geleia Total: Ana, por último: o que a arte significa na sua vida?
Minha vida! Tudo, tudo, tudo! Para mim, se eu não tivesse assim envolvida com arte, eu nem sei o que eu seria hoje. Eu amo! Eu fico até emocionada quando falo. Desde pequena, meu pai me colocava de castigo. Aqui em casa tinha um cofre grande, e meu pai e na hora da matemática, ele me colocava em cima do cofre para decorar a tabuada e dizia que, depois que eu terminasse, eu poderia ir para os meus desenhos. Eu riscava, riscava as paredes, riscava tudo.
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Descrição: escritora
Escrito por: Ruanna Sabrina
Revisado por: Paulo Narley
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Contatos:
https://www.instagram.com/nega_ana_arts
Foto
Outras fontes:
https://somosnoticia.com.br/academia-de-letras-arte-e-cultura-de-amarante/
https://www.canal121.com.br/noticia/16008/-exposicao-nega-ana-celebra-mulheres-e-cultura- regional-em-amarante
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