Yngla Hillary e a música como poesia do eu

Foto: Jonathan Dourado

‘‘A chuva me grita distante. Que já não te vê por aqui. Me pergunto se existe um santo. Um são fulano que eu posso chamar pra me acudir.’’

É com este trecho que introduzimos a potência musical da cantora e compositora Yngla Hillary, uma jovem de 24 anos, natural de Teresina (Piauí), nascida em 13 de outubro de 2000. Embora a artista tenha nascido em uma plena sexta-feira 13, sua presença foi, ao todo, aconchegante e serena, tal qual as suas canções e melodias. É pela música – arte milenar, da erudição ao popular, de caráter sentimental e, por vezes, político – que concentramos nossa atenção na participação de Yngla no cenário musical de Teresina. Espaço este de florescimento criativo de diversos artistas naturais do Estado e de seus arredores. Por sinal, mas não menos importante, além de musicista, a jovem artista do cenário de Teresina também é professora de História, e como mulher e futura docente, nos conectamos de imediato pela arte e pelo poder transformador da arte vinculada à educação.

A presença da artista no panorama cultural de Teresina se inicia em 2018, como integrante da banda ‘’Florais da Terra Quente’’, onde participa como vocalista, compositora e baixista, em eventos como o festival GiraSol; Marte Sessions; Artes em Abril; The Music, entre outros.

Atualmente, mantém-se como membra ativa na banda, mas também se direciona para a carreira solo, com o lançamento, em janeiro de 2024, de seu EP ‘‘Notas’’. As canções da artista têm circulado pelas redes sociais e chamado a atenção do público pelas letras e melodias que desencadeiam, até no ouvinte menos atento, as pulsações de um amor em suas diferentes etapas.

Com sonoridade e particularidades da Música Popular Brasileira (MPB), as canções da artista exprimem as influências de cantores como Marisa Monte, Gal Costa, Ana Vitória e Cícero. O EP contém quatro canções que beiram o lirismo de um eu que pretende se confessar por cartas nunca antes enviadas: um amor que deixou saudade e até as desilusões sobre o local em que o eu se encontra. A singularidade de suas canções acompanha ritmos leves e densos, fruto da sintonia entre o violão e o piano, trazendo ao ouvinte a força da poesia expressa em suas canções.

O Geleia Total entrevistou a musicista Yngla Hillary no dia 6 de março de 2025, em uma quinta-feira ensolarada. De súbito, a primeira impressão foi a de que o violão estava conectado às mãos da artista, que usava um vestido longo e sorriso radiante no rosto. A entrevista percorre a trajetória musical da artista, desde sua paixão pela música, participação na banda Florais da Terra Quente, elaboração do EP ‘’Notas’’, e de sua percepção sobre a música.

Geleia Total: Antes de tudo, me conte mais sobre você.

Então, eu sou natural aqui de Teresina, nasci na sexta-feira 13, tenho 24 anos, sou de 2000, e eu sou formada em História pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), Licenciatura em História. Atualmente, trabalho como professora de História, sou muito feliz com isso porque eu amo lecionar. Tenho essa formação acadêmica, e também trabalho com música, faço parte da Florais da Terra Quente desde 2018, tanto na composição das músicas como no violão, no vocal e no baixo. Eu sou fixamente baixista da banda, mas eu toco violão nas músicas que eu compus, que são a Marte, Dicionário e Maré. O Maré é a minha composição com o Juscelino, que está, inclusive, neste novo álbum da Florais, que saiu recentemente. Já deixo aqui minha sugestão também, né? Que é para galera ouvir o novo álbum do nosso grupo musical.

Eu trabalho com música desde 2018, lancei o EP Solo, em 2024, e também trabalho, na noite de Teresina cantando covers de MPB.

Foto: Jonathan Dourado

Geleia Total: Então, você comentou que está desde 2018 com a Florais da Terra Quente, fazendo parte do meio cultural de Teresina. E aí eu queria te perguntar, pelo que percebi você tem uma conexão muito forte com a música, como essa paixão começou?

O meu rolê com a música começou quando eu tinha uns 12 anos, foi quando eu ganhei meu primeiro violão. E aí eu fui bem plena no YouTube: ‘‘como tocar violão’’. Aprendi de maneira autodidata a tocar violão, mas por outro lado não sou tão boa com teoria musical. Mas se você colocar neste exato momento uma música com todas as cifras, eu toco. Eu não vou saber dizer: “ó, isso aqui é um lá estendido”. Porém, consigo me desenrolar.
Já como cantora, foi aos poucos que eu pensei: “cara, e se eu tentar cantar, será que vai?”. Eu comecei a cantar aleatoriamente, Paula Fernandes, que era o que meu pai ficava cantando em casa. Então, foi muito natural, de repente eu estava cantando nos eventos do colégio, acho que com os meus 14 anos, talvez. Eu cheguei a fazer um tempo de aula de canto na Escola de Música de Teresina, que atualmente é a Escola Estadual de Música Possidônio Queiroz. Não finalizei o curso, mas também nunca mais parei de cantar.

Geleia Total: Como foi a sua entrada na banda Florais da Terra Quente?

A Florais da Terra Quente surgiu também em 2018, e basicamente o Juscelino e o Marcelo (integrantes da banda) foram para um concurso de música, que o nome era “The Music”, que acontecia aqui em Teresina. Eles se conheceram neste local e estavam participando de um quadro que era solo, mas tanto o Juscelino como o Marcelo queriam participar como uma banda, e decidiram por meio disso formar uma: “Então, cara, e se a gente tentasse se juntar aqui para poder participar desse evento como uma banda?”. Assim, o Marcelo chamou a Clenda, o Juscelino chamou o Arthur, foi meio que uma, sabe? E aí o antigo violinista da banda, o Pedro, viu meus vídeos no Instagram e falou pra mim: “Olha, eu tenho uma banda que está se formando agora. Eu gostei dos teus vídeos. Tu por acaso teria interesse em entrar numa banda autoral? Tu tem alguma música?’’ E coincidiu com o momento que eu tinha acabado de escrever a Marte, que foi a minha primeira música, que saiu com a Florais. Eu mostrei para eles, gostaram, e eu entrei na banda.

Primeiro, eu só tocava violão e cantava, aí depois fui para o baixo. A Florais se desenvolveu basicamente assim, um amigo conhecia um amigo, formou uma banda, enfim.

É muito massa a história da Florais, porque é uma banda que sobrevive do nosso apoio, entende? A banda cresceu com esses laços de amizade e com a tentativa de ser uma banda autoral de Teresina.

Foto: Jonathan Dourado

Geleia Total: Em janeiro de 2024, você lançou o EP intitulado Notas. Você poderia me explicar como é que foi o seu processo criativo para a elaboração do álbum?

Então, todas as músicas que eu escrevo, basicamente, eu tenho como inspiração minhas experiências de vida. O EP Notas surgiu exatamente de uma dessas experiências que eu tive, porque eu escrevo sobre o amor. A minha facilidade para escrever música é sempre em momentos em que me sinto 8 ou 80. Ou eu estou muito feliz, ou eu estou mais para baixo, mas o bom disso é que sempre sai alguma coisa.

Em minha opinião, as pessoas que passam pela nossa vida têm a capacidade de deixar algo, sabe? Algum ensinamento, alguma coisa boa. E, para mim, o Notas é sobre isso. Eu falo basicamente sobre uma dessas experiências de vida que eu tive e falo de saudade, de São Fulano, que é basicamente uma música sobre saudade, tipo, poxa, que saudade de alguém, sabe?

A ordem das músicas do EP, foram com o intuito de contar uma narrativa e pensei justamente em como essa música poderia servir para alguém, vai que alguém se identifica?

O EP começa com São Fulano, que fala sobre saudade; já Cartas, o sentimento de aceitação, mas ainda o ressentimento do fim de um relacionamento. E, depois, tem Nada, que relata sobre um sentimento de impotência pela situação, sobre um sujeito que finalmente entende o seu lugar e o aceita. O EP termina com Não Duvido, que eu gosto muito, pois esteve ligada a um momento de superação do estágio de um término, do fim de um ciclo, e, principalmente, sobre não duvidar de si e da sua capacidade de conseguir passar por algumas situações, e ter determinadas experiências, mas ainda permanecer consigo mesmo, independentemente das pessoas que passaram, dos momentos bons e ruins deixados.

Geleia Total: Além disso, na banda Florais da Terra Quente, você atua como cantora e compositora. Quais são as principais diferenças entre compor músicas de forma colaborativa e compor de maneira solo?

A principal diferença é o quanto as músicas solos têm mais da sua individualidade, porque com a Florais, como é uma construção coletiva, as músicas são influenciadas pelo gênero musical de cada um. Algumas pessoas na banda, como o Juscelino, por exemplo, ele tem uma vibe mais direcionada para o indie e pop. Eu tenho essa linha voltada para o MPB. Então, quando compomos uma música coletivamente, se torna uma canção mais eclética, com vários pedacinhos conectados por cada um e da individualidade de todos, principalmente quando você conhece mais a fundo um dos artistas. Tem algumas canções que são perceptíveis as marcas do Juscelino.

E quando se compõe de maneira solo, como em Notas, acho que notamos mais da individualidade daquele artista, porque ali você vê muito dessa nova MPB que eu tive influência. Então, quando você quer conhecer mais do trabalho de um artista, vale a pena explorar as canções solo, porque você entende como aquele cantor construiu sozinho a sua arte.

Foto: Jonathan Dourado

Geleia Total: Schopenhauer diz, em ”A metafísica do Amor e a A metafísica da Morte”, que a música é a maior de todas as artes, pois ela alivia o sofrimento e as dores do mundo. Saindo um pouco da linha pessimista do filósofo e partindo do ponto de vista de uma musicista, para você o que é a música e como ela te afeta como artista?

Para mim, a música me afeta de modo mais intenso quando afeta outra pessoa. E, durante muito tempo, eu pensei que a forma de conseguir falar sobre alguns assuntos era através da música. Então, este EP, o Notas, traz muitas sensações e reflexões que eu não conseguia compreender, e, de repente, eu pegava o violão e a música saía de uma vez. Eu analisava e entendia o que estava acontecendo e sentindo. Para mim, a música tem esse poder de fazer você externalizar certas questões, que dificilmente poderiam ser faladas. E, às vezes, é sobre os extremos de sentir e passar por uma situação ruim, e a música retirar um pouco do peso destas ocasiões. Quando é algo bom, você consegue mostrar para os outros e dizer: “olha, como é bom sentir isso, sabe?”. A música me afeta desta forma, é com ela que consigo transmitir uma sensação, me expressar. E, mais ainda, quando afeta outra pessoa. E eu não seria eu sem a música comigo, para poder externalizar todas as coisas que sinto e quero explicar.

Geleia Total: E quais são os artistas que ajudaram a moldar a Yngla Hillary em sua trajetória musical?

Tem um artista em específico que escutei muito em minha adolescência, que é o Cícero. Para mim, o álbum dele: Canções de Apartamento, me mudou completamente. Até porque, eu gosto muito da simplicidade nas músicas, que talvez dê para perceber isso em Notas, pois eu sou muito a favor de músicas, onde tu consiga entender mais o que está sendo dito, e os instrumentos são mais leves. Aprecio bastante canções leves, e as músicas do Cícero são nesse tom. Além dele, escutei muito o Rubel, mas para mim o Cícero é o artista que está em meu top 1. E ele me trouxe muito dessa calma, com os toques de pianos mais leves. Em Não Duvido, fiz somente uma nota de piano, porque é algo singelo, mas que traz um impacto. As percussões do Cícero que dão uma familiaridade e proximidade, como se ele estivesse pertinho de você. Mas também ouvi em minha trajetória Ana Vitória, Gal Costa, Djavan, Marisa Monte, Tribalista, Tom Zé, Juca Chaves.

Geleia Total: Em sua canção ”Nada”, presente no EP ”Notas”, apresenta uma melodia e letra que exprime um sujeito que se sente distante do local externo e interno que te aflige. Para você, como a arte desperta e canaliza as dores dos artistas?

A arte, no geral, tem a capacidade de retirar alguns pesos e potencializar algumas explicações. Quando eu escrevi Nada, me sentia muito deslocada, e sem a possibilidade de ver uma fuga do local em que estava. Então, está ligado com as questões internas e externas em que o sujeito não consegue escapar, ainda que, fisicamente esteja fora daquele lugar, mas internamente conectado com a situação. A música é uma ação de se autoexplicar, como também de se conectar com o outro. E esta canção foi criada neste momento de dificuldade em se expressar, e entender o entorno.

Foto: Jonathan Dourado

Geleia Total: Nesse sentido, quais artistas do cenário piauiense você mais se identifica?

Sou suspeita de comentar, mas admiro muito os meus amigos da Florais. Mas pelas experiências de compor e entender o artista, lembro de quando entrei na banda e pensei: “nossa, essas pessoas estão criando canções regionais, que incrível!”. E se eu pudesse recomendar um artista para a galera escutar, indicaria o Juscelino, pois vejo muito sentimento nas canções dele, tendo uma proximidade sonora com o indie e pop. E são canções incríveis, a sua capacidade em compor, inclusive Maré, que está no novo álbum da Florais. Eu dedilhei algumas notas de violão para ela, mas não consegui escrever nada, mas ao chegar na casa do Juscelino, magicamente, a música surgiu. O Juscelino é um ótimo compositor e produtor, e tem uma produtora, a Polvo Elétrico, aliás, responsável pela gravação do EP.

Geleia Total: Por fim, uma palavrinha para o público que te conhece e irá conhecer, o que esperar dessa nova fase como artista solo?

Então, pretendo lançar mais músicas e convido a todos para ouvir o meu trabalho, especialmente quem gosta de MPB, e até quem não curte tanto, mas quer conhecer mais trabalhos de artistas piauienses, de Teresina. E para todos, que estão ou se sentem meio perdidos, escute, quem sabe não seja isso o que você está sentido? E futuramente lançarei mais composições, esperem canções novas. E fico muito agradecida a todos que gostaram, sempre incentivo a falarem comigo, enviem mensagem, seja pelo instagram: @hs_yngla ou outra rede social pública. Eu amo quando as pessoas comentam sobre o que sentiram e como as canções as afetaram.

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Descrição: Cantora e compositora
Escrito por: Ana Maria Leônidas Moura
Revisado por: Paulo Narley

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Contatos

Instagram.com/hs_yngla/

Fotos

Vídeo

Outras fontes:

Florais da Terra Quente lança seu 1º CD, por Wonnack

https://popfantasma.com.br/florais-da-terra-quente-som-poesia-e-trabalho-coletivo-no-piaui/ 

Caso queria sugerir alguma edição ou correção, envie e-mail para geleiatotal@gmail.com.

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