Para além das discussões sobre nomenclaturas bem delimitadas, é importante lembrar que a caracterização do autismo tem muito mais a ver com dificuldades de ter acessibilidade garantida para atividades diárias, do que sobre pesos e medidas referentes aos níveis de apoio/suporte, que devem ou não figurar no rol das deficiências. Dificuldades que inviabilizam inúmeras questões essenciais à qualidade de vida. Ora, raramente escuto autistas dizendo que não possuem demandas sociais gritantes, que acabam contribuindo para a não aceitação de outrem, e concomitante relegação às franjas sociais (a participação de autistas nos eventos sociais da cidade acabam dificultadas ou até inviabilizadas por causa da falta de acessibilidade). Outros aspectos inerentes às características autistas pululam em meio ao dia, travando uma batalha com a autoaceitação, inclusive. Neste quesito, autistas com plena consciência do “si mesmo” acabam aumentando índices de estresse, autoestima baixa, fobia social, ansiedade generalizada, depressão… “Por quê?” – indagam, possivelmente. Porque têm uma noção amplificada de uma diferença de si diante dos demais. Daí podem bradar impropérios quanto ao uso do quebra cabeça colorido, indicativo da neurodiversidade e dos matizes comportamentais (já é possível ver o símbolo da fita com os tais quebra cabeças figurando em vários estabelecimentos de Teresina, por exemplo, seja em estacionamentos ou em placas nos caixas de supermercado da cidade). Mas o que erige mesmo, em confluência com a divulgação do autismo, é a certeza de que todas as pessoas são diferentes, de fato. O encaixe perfeito trata-se, portanto, de mera utopia, afinal. Tais preleções giram em torno de indagações sobre a própria constituição humana.
Reticências.
Tudo isso tem importância ímpar, claro! Mas cabem reflexões basilares: é certo que somos todos diferentes, constitutivamente, mas, entre os diferentes, na escala de domínio de aparatos para sobrevivência e autonomia, o que aparece é o abismo excludente diante de algumas pessoas com deficiência, sobretudo. No que tange ao autismo, que é meu lugar de fala, floreá-lo é artifício grosseiro para mascarar dificuldades, esvaziar discursos e abafar pedidos de ajuda escancarados ou velados. Eu escrevo sobre autismo desde 2015, numa página extinta de uma rede social. Apaguei tal página porque apreendi ao pé da letra uma crítica à minha escrita: além de caracterizá-la como vitimista, algumas pessoas disseram que eu provocava vários gatilhos. Diga-se de passagem: nem sei o que é vitimismo, mas minha mente concreta me impede de esquecer tal verbete. Vitimista ou não, acho que as pessoas devem conhecer autismo. Ponto.
*Na foto, aparece minha Quitapesares (álter ego) numa de suas aventuras, tentando transpor uma de suas quimeras cotidianas.