Na década de 1990 havia uma loja de discos famosa em Teresina. Costumava veicular nas emissoras locais alguns comerciais dessa loja, cuja garota propaganda era quase sempre a mesma: uma menina de pele clara, cabelo liso e voz esganiçada. O texto publicitário sempre terminava com uma frase de efeito que se tornou o jargão da loja: “onde o barato é o preço”. Por algum motivo, guardei essa imagem na memória e anos depois achei-a parecida com Isabela Nardoni.
Um dia, ao chegar em casa, ouvi alguém dizer que a garotinha havia morrido. Talvez tivéssemos a mesma idade. Lembro de ter ficado surpresa com a notícia e passei o resto do dia pensando naquilo.
Contudo, eram outros tempos, não existiam redes sociais, onde as fofocas correm na velocidade da luz, nem aplicativos de mensagem instantânea para que eu pudesse comentar com as minhas colegas o que eu havia acabado de descobrir.
Segui com a minha rotina de estudante, de maneira que acabei por esquecer o que me deixara tão surpresa quanto consternada. Eu ainda queria acreditar que não era verdade, mas não havia meios de confirmar uma informação tão delicada. Não para mim, uma criança de apenas 11 anos.
Os dias correram rápido e eu passei a prestar mais atenção aos comerciais de TV. O fato é que, após aquele dia, eu realmente nunca mais a vi em nenhum meio de comunicação. Ela havia desaparecido.
Me senti um pouco de luto. Talvez por ser filha única ou quem sabe por ser estranha demais. Eu comungava de alguma coisa com a garota de dentes grandes e jeito extrovertido. Eu a olhava e só queria saber como era possível ser tão sorridente e falante.
Semanas depois, de chofre, lembrei do acontecido em pleno recreio escolar. Eu precisava comentar a minha descoberta com alguém. Me aproximei de um grupo de colegas que conversavam de maneira animada sobre sei lá o quê. Interrompi o assunto e perguntei se estavam sabendo. A roda encerrou o bate-papo e todas me olharam de esguelha: “Já faz semanas. Você está atrasada”. Dito isso, continuaram a tagarelar sem se voltarem para mim ou buscarem saber por que eu estava questionando aquilo.
Fiquei parada no mesmo local, durante um tempo, imaginando a razão pela qual as minhas colegas não haviam me contado. Guardaram, durante vários dias, uma informação a respeito de alguém sobre a qual comentávamos com relativa frequência. De alguma forma, todas nós nos identificávamos com a mocinha da loja.
O baque foi maior quando descobri que elas omitiram de mim um assunto sobre o qual partilharam em minha ausência. Naquele dia me senti traída pela primeira vez. Talvez porque me achasse pertencente ao grupo e, em minha mente infantil, acreditasse que deveria ser convidada aos eventos, participada dos assuntos marcantes e acolhida em minhas angústias. Eu estava enganada, e a menina da Barulho me ensinou isso.
Tem alguma história para partilhar comigo? Eu vou adorar saber. Sobre qualquer assunto, os felizes e tristes, de famílias, amantes, amigos, festas, morte, paixão ou doença. Tudo vale. Posso garantir uma escuta atenta e forte.
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Ilustração: “Discos antigos em alto ângulo de mercado de segunda mão”. De utilização gratuita: https://br.freepik.com/fotos-gratis/discos-antigos-em-alto-angulo-de-mercado-de-segunda-mao_24239009.htm#fromView=search&page=1&position=9&uuid=41d0e9a5-e456-40ff-9e58-c80a56c91e49&query=loja+de+discos