Os Estacionários

Foto: Caio Negreiros

Quando aproxima o meio dia a cidade entra em procissão: os carros se alinham um atrás do outro, cantando as individualidades de seus motoristas, que reclamam dos motoqueiros em uníssono enquanto os motoqueiros reclamam dos carros. Não que sejam mal projetadas as ruas, ou mal colocados os semáforos, é que estar ocupado, e deixar de estar ocupado, exigem um pouco de trânsito, e então tudo está de acordo com os planos da cidade. 

 

Paulo era apenas um dos transeuntes, mas tinha orgulho particular. Seu carro era novinho, e ainda precisava de uma placa. Ele então tomara hoje para aventurar-se no centro, se tivesse sorte como a que teve com a oferta nesse carro, acharia as ruas vazias e o departamento aberto. Não foi bem assim. 

 

Passara já duas horas sobre as rodas do automóvel, exauriu sua coletânea de músicas e começou a reparar no consumo do tanque de gasolina. Resolveu evitar a avenida principal, atravessando as suas afluentes pelo padrão xadrez das ruas, e procurar o lugar mais vantajoso para estacionar seu carro. “Bem, não poderia deixá-lo na calçada de uma dessas lojas, nunca!”. Ouvira uma vez que os olheiros são bons de mau-olhado, e que sal grosso faz mal para a pintura. Também não queria ir atrás de um estacionamento privado, porque, apesar de seguros, ficavam longe do departamento, e não se é sábio caminhar por aí com tantos documentos, e ainda seriam pesados. A solução seria um estacionamento pago, mas encontrou diversos cheios, e lia cada placa, progressivamente admirado.

 

— Dez reais a hora… Três reais dez minutos… Vinte! – Ele apertou os olhos para ler as letras finas da placa – “juros determinado por N horas vezes”… Ah diacho! Trapaceiros!

 

Demorou mais meia hora procurando, e a situação começou a dar-lhe nos nervos. “Ora, tudo caro, tudo cheio! Dormem ali para pegar vagas, é?” , era seu pensamento quando virou uma das ruas, intencionando adentrar novamente a avenida, que permanecia em fila estática. Dessa vez, avistou outra placa de longe, e pôs a ler. “Três reais, mais 50 centavos a hora”… Uma pechincha! Até se estivesse lotado valeria a pena checar, e quem sabe dormir ali para garantir a vaga de amanhã. Já estava até melhorando de humor. 

 

Acelerou, e procurou as placas para confirmar o sentido da rua. Viu uma placa de Pare, e uma com o nome: “Rua do Resguardo”. Anotaria isso assim que estacionasse. Quando desacelerou, prevendo ter andado o suficiente para alcançar o estabelecimento, viu, em seu lugar, uma casa. 

 

Viu que era uma casa de médio terreno, mas alta, com colunas ornamentadas e uma varanda no segundo andar. Tinha arcos bonitos, e uma vaga atrás de seus portões, mas certamente não caberia nem seu carro novo. Estava, ainda, cheia de plantas, sem uma das grades e bastante desbotada. Ele olhou para os lados. A mesma loja de roupas, e do outro lado a mesma farmácia que cercavam o estacionamento. À frente da casa, uma placa. “À VENDA, 3502-8664” e, abaixo tinha escrito “Resguardo”, que deveria ser nome de família, não que interessasse a Paulo. 

 

— Mas estava aqui a pouco.. Não pode ser que eu… Ora, tinha até preço! – Ele disse, passeando o olhar pela rua. – Talvez, se eu… 

 

Ele deu ré ao automóvel, olhando pelo retrovisor para não acertar as placas ou as árvores, e voltou ao início da rua. Se tivesse mesmo sido imaginação, seria bom para voltar ao percurso e dirigir ao hospital. Mas não foi! Logo seus olhos encararam, de novo, o estacionamento, entre a loja e a farmácia! Agora não o perderia de vista. 

 

Deu com o pé no acelerador, olhando para o lugar, mas exagerou e teve de frear repentinamente, se não, passaria da entrada. Quando abriu os olhos, estava novamente à frente da residência abandonada. 

 

— Inferno! Agora deu mesmo, além de cansado eu estou ficando é doido. Eu vou embora daqui, eu… – Ele disse, dando ré, mais uma vez. 

 

Dessa vez viu algo interessante. Ia recuando devagarinho, e viu a casa balançar como uma miragem, mas antes que pudesse checar a transformação, lá estava a maldita placa de pare, lhe impedindo a visão. Quando passou dela, de certo, estava o estacionamento. 

 

— Mas que diabos! Vou eu mesmo derrubar essa casa amaldiçoada, e fazer esse estacionamento.  E quer saber, vou é agora ver se essa… – Continuou a fala, saindo do carro para atravessar a rua até a placa. Chutou-a, e viu, de longe, o estacionamento. 

 

Correu até lá, e viu diante dos seus olhos uma miragem calorenta sobre o lugar, que o fez arder o rosto. Quando terminou de piscar, estava diante, novamente, da morada. Soltou um xingamento audível e decidiu-se. Pegou o celular e discou o número. Demorou um tanto ali na porta, e foi atendido. 

 

— Oba, boa tarde, aqui é o…

 

— Olá, eu sou o Paulo, eu queria saber o que diabos está acontecendo, que eu estou tentando estacionar faz quarenta minutos, e…

 

— Ah, o senhor quer é estacionamento…

 

— É! E toda vez que eu chego perto essa droga vira uma casa!

 

— Oh meu senhor, se acalme… Eu sei que todo mundo quer parar, né, nessa cidade, mas aprecie…

 

— Não quero apreciar coisa nenhuma! E pare de tentar me vender essa casa, que se eu comprar, eu a derrubo!

— Oh, meu senhor, eu sinto muito… É que essa casa era do meu bisavô, e eu…

 

— E porquê está vendendo, então? Não me enrole!

 

— É que isso acontece todo dia, me ligam perguntando dela, mas eu tenho a pena contrária. Eu só queria ver essa casa, mas toda vez que eu chego perto, tem um estacionamento…

 

Autor:

João Wilker da Fonseca Marques
Nascido em Teresina – PI, 19 anos, estudante de Letras Português na Universidade Federal do Piauí, com trabalhos publicados em coletâneas como a Coletânea Clarear (Centro Acadêmico de Letras Torquato Neto) e Pequenas Palavras, Grandes Sentimentos (Editora Obook), morando atualmente em Timon – MA.

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