Pequenas fotografias pro que não der na memória

Como primeira a passar pelo ventre eu sou a mais próxima da minha mãe em comparação aos meus irmãos. Hoje, a diferença de idade que temos, se levar em consideração à data do seu falecimento, é apenas de 12 anos.

Esse pensamento me veio hoje de manhã enquanto lavava louça e dissecava as lembranças da noite anterior. Fui me divertir com uma prima que mora bem longe e está de passagem na cidade. Durante muitos momentos nos pegamos admiradas com a velocidade do tempo e foi impossível não colocar as nossas mães na conversa.

A nossa infância não foi a que elas sonharam. Distante dos ideais de editoriais de revista, das matérias abrindo a casa e o quarto cheio de brinquedos. Os irmãos capturados numa pose especialmente pensada para demonstrar a pequena diferença de idade. As vidas plásticas como se via nos filmes e nas séries americanas dos anos 80.

Não. Nossa trajetória foi bem mais incerta e imperfeita do que os cabelos lisos que desejávamos ter. Uma das minhas ingenuidades infantis, inclusive, era perseguir um transplante de cabelo liso pro meu cacheado usando somente uma pequena quantidade de condicionador.

Mas, o tempo não recua. E se não bastasse isso é ligeiro. Certeiro ao ponto de realocar todos esses acontecimentos num pedaço da cabeça enquanto os olhos observam a estrada correr pela janela da vida. E como corre. Eita, como corre! Parece que foi ontem que contávamos só um dígito na idade e sorríamos sem nenhuma urgência no quintal da vovó.

Temos poucas fotografias dessa época. Mesmo se os smartphones fossem comuns em 1993 nós não teríamos meios para comprar. Talvez por isso tenhamos desenvolvido uma capacidade mais aguçada de guardar as memórias e descrevê-las em detalhes hoje em dia. Na mesma medida em que não cultivamos a mínima naturalidade diante das câmeras. Na primeira infância eu sempre chorava copiosamente com medo do flash, naquelas ocasiões raras em que um fotógrafo profissional nos clicava. Devo ter umas duas fotografias com os olhos e as bochechas vermelhas por conta do choro.

Aos poucos fui me habituando a ser retratada. Apesar de não ver razão lógica pra congelar uma imagem que não conseguia admirar. As pessoas diziam que eu possuía certa fotogenia, mas não chegavam a me convencer com esse discurso. Minha prima de tão bonita trabalhou como modelo. Até que cansou. É complicado viver nesse mundo de lentes, belezas, filtros e dentes sempre à postos.

Ultimamente tenho esquecido de me fotografar e não sei exatamente a razão disso. Pode ser ainda a negação da tal fotogenia e/ou da importância de ter tantos registros no rolo da câmera. O fato é que o pouco que me fotografo tenho dificuldade de postar. E assim vou tentando um estilo mais low profile que se for ver combina bem mais comigo. Apesar de me mostrar muito, o meu lance sempre foi me esconder.

Só que as fotografias, e vídeos também, são muito mais que vaidade. Eles são documentos das vivências da gente que ficam, quando a capacidade de recordar dá indícios de fraqueza. Não que a memória esteja me faltando, mas sinto uma falta genuína de ter mais registros de criança e até mesmo de agora. Foi com isso em mente que minha prima e eu aproveitamos muito a luz do fim de tarde para renovar nossos cliques. Por sinal, nem foto juntas tínhamos. Agora temos. Além das lembranças de um reencontro que queremos repetir muitas e muitas vezes.

Nossas mães? Não realizaram o sonho de nos proporcionar uma infância de capa de revista. Ainda assim, estou certa de que elas se orgulham muito do que conseguimos conquistar nesse mundo real sendo exatamente quem nós somos. Fotogênicas ou não.

 

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