Hoje chorei o dia inteiro, de quando acordei até o final da tarde.
Esse é um acontecimento estranho que acomete algumas mulheres. Há quem chame de TPM e/ou oscilação hormonal. Não sei dizer o que é ao certo, nem o que provoca, sei que é assim que acontece. As lágrimas vêm aos jorros e os soluços demoram a passar.
O curioso é que venho de um longo período sem chorar. Lembro que, em muitos momentos, o que eu mais queria era conseguir desaguar. Inútil.
Durante os minutos de pausa entre um tremor e outro, eu conversava com uma amiga. Ela, que é da Umbanda, me deu informações aleatórias e distintas. Começou dizendo que sou sereia.
Esse povo das águas é chorão. Você é filha de Oxum, tenho certeza.
Como você sabe?
Eu sinto.
Oxum é Maria perdendo Jesus, Iemanjá é ela mandando Jesus se recompor.
A essa altura eu já não entendia nada do que a minha amiga falava, mas podia afirmar que até o momento eu só reconheço a maternidade da Dona Graça. Apesar disso, nesses quase 40 anos, não lembro de tê-la visto chorar com tamanha profusão, nem quando a minha avó faleceu. As lágrimas de minha mãe sempre foram contidas, como quem não tivesse autorização para tanto.
Será que a minha mãe é mesmo Oxum ou apenas a Dona Graça? Se for as duas juntas, muita coisa se explica. A dualidade que perpassa meu peito e me faz quase não sentir, meses depois desaguar um rio. Outrossim, não posso desconsiderar a época do ano. Sempre achei o período natalino um tanto melancólico, absurdo.
É quando ela sente a perda do filho, sabe? Percebe que ele vai embora porque vai ser o cordeiro de Deus. Iemanjá super entende e diz assim, “Filho, se é pra ires, que vá de cabeça erguida. Não chores”. Oxum não é assim, ela se joga no chão e esbraveja em desespero. Tadinha, sofre em dobro.
Devo admitir que as conclusões inesperadas da minha amiga diminuíam o meu pranto. A curiosidade em compreender o que ela dizia mudava o meu foco.
Você sofre porque é sensível, amada. Às vezes o choro nem é seu. Seja mais Iemanjá. Pode lacrimejar à vontade, mas faça isso empurrando os outros, que também estão tristes, para frente.
Ao finalizar essa sentença ela se abriu em gargalhada.
Você bebeu?
Eu estou bebendo, por quê?
Nada. Só que eu ainda não entendi o que a sereia tem a ver com Maria ou o cordeiro de Deus.
Tu não és burra. Como é possível que você não entenda algo tão óbvio? Você sabe que água é sentimento, emoção…
Ela continuou a falar e eu voltei a chorar.
Seja como for, à noite consegui escrever este texto, partilhando com quem tiver interesse a minha completa ignorância sobre quem ou o que faz crescer dentro de mim um oceano cheio de lágrimas, além de uma vontade danada de dizer para todo mundo que eu não sei nem mesmo quem é a minha mãe, ou qual é a relação das sereias com o Salvador.
Tem alguma história para partilhar comigo? Eu vou adorar saber. Sobre qualquer assunto, os felizes e tristes, de famílias, amantes, amigos, festas, morte, paixão ou doença. Tudo vale. Posso garantir uma escuta atenta e forte.
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Ilustração: “ Mermaid Fantasy Siren royalty-free stock illustration”. Livre para uso e download gratuito em: https://pixabay.com/illustrations/mermaid-fantasy-siren-underwater-2409376/