Sobre fechamento de ciclos

A madrugada nunca foi minha amiga, ela sempre foi companheira. Há uma troca respeitosa em nossa relação. Ela é quase sempre silenciosa, embora vez por outra acolha os silvos externos.  

Foi em uma dessa madrugadas que me peguei lembrando de uma das amizades sazonais que passaram por mim. Ao pensar sobre isso me vi comparando a vida humana com a natureza, que existe em estações. Pensei que nós vivemos em ciclos, dentro desses muitas fases acontecem. Chamo isso de transmutabilidade.  

Essa moça me disse, num misto de indignação e preocupação, que precisava urgentemente conseguir R$2.400,00. Lembro que nós éramos estudantes, estagiárias, conseguir um montante desses era bem difícil. Questionei para que ela precisava desse dinheiro, foi quando ela explicou que ela finalmente havia entendido a razão pela qual o namoro de 3 anos dela havia acabado. Tudo às claras.  

Ela às claras e eu às escuras, porque ainda não entendia o que aquela pequena fortuna tinha a ver com o fim do relacionamento dela. Fizeram um trabalho para a gente. Pegaram uma foto de nós dois, enterraram na areia do cemitério junto com uma vela preta de cabeça para baixo, depois urinaram em cima.  

Entendi tudo, os R$2.400,00 eram para desmanchar o serviço. Divaguei sobre a dificuldade que temos – e aqui me incluo nesse rol – em encerrar ciclos, em soltar, em deixar ir. O apego atrasa o fluxo da vida. Para a minha amiga era mais fácil acreditar que seu ex-namorado estava magiado que aceitar que ele não queria mais estar em um relacionamento com ela. Quem nunca?  

As dificuldades em se abrir para o novo geralmente estão relacionadas ao medo. O que não conhecemos é misterioso, pode ser bom ou ruim. É com esse raciocínio que muita gente permanece em amizades unilaterais, empregos ruins, relações abusivas. Toda escolha implica em perda. Ao optar por uma coisa, estamos abrindo mão de outra. Ocorre que é bom ter opções e é esse tipo de consolo, falso bem-estar, que nos leva a comportamentos apáticos e covardes, tais como não escolher, e por consequência não deixar partir o que já não serve mais.  

A filosofia japonesa tem um aspecto que sempre considerei belo, que é o de agradecer aos objetos pelo uso que fizemos dele. Para eles o ato de agradecer nos liberta do apego, do embuste de que aquele objeto poderá ter serventia algum dia. Provavelmente não terá, e se tiver, o risco de que não o utilizemos por razões torpes como não conseguir encontrar onde guardamos ou simplesmente esquecer que o possuímos, é grande.  

O que quero dizer com isso é que encerrar ciclos faz parte da vida. Aceitar que um grande amigo se mudou ou que ele de repente não curte mais a mesma coisa que nós faz parte do amadurecimento, e está tudo bem. Dói? Muito. Porque crescer dói, evoluir dói. 

Lembro que quando eu era criança me queixava muito de dor nos braços e nas pernas. Minha mãe fazia massagens enquanto me explicava que aquelas dores faziam parte do processo, que crescer causa dor, que os ossos crescem. O bebê sente dor quando os dentinhos nascem, a mulher sente dor no parto, a pessoas sentem dor quando seus entes queridos fazem a passagem. Estar no mundo é isso. Todo início é processo, construção, e todo fim é rompimento, mas não precisa ser traumático.  

Hoje, 22 de novembro, dia mundial da música, finalizo este texto com a seguinte metáfora:  

Viver é dançar com o tempo, é preciso aprender a fluir com a música que nos rodeia. O passado é uma melodia que já foi tocada – às vezes linda, outras nem tanto, mas independente disso o show não pode parar – e o futuro é uma partitura em branco a ser preenchida pelas nossas escolhas. Deixemos fluir.

Tem alguma história para partilhar comigo? Eu vou adorar saber. Sobre qualquer assunto, os felizes e tristes, de famílias, amantes, amigos, festas, morte, paixão ou doença. Tudo vale. Posso garantir uma escuta atenta e forte.

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Imagem:Árvores de folha vermelha perto da estrada ”. De utilização gratuita. Disponível em: https://www.pexels.com/pt-br/foto/arvores-de-folha-vermelha-perto-da-estrada-33109/

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