Macacos, de Clayton Nascimento: não teria melhor espetáculo para encerrar o FestLuso 2023, por Noé Filho

Clayton Nascimento e Terezinha de Jesus em Macacos – Foto Andressa Vieira

Clayton. O Têatro. O Tiatro. Nascimento. Voz. Corpo. Vozes. Lutas. É o teatro. Teatro. Corações arrancados dos peitos e devolvidos balançados, desbalanceados, preparados para um balanço persistente / PER-SIS-TA / em busca de vida, justiça, conhecimento, mas nunca de paz. Não sei se o Clayton Nascimento é o Teatro, mas com certeza é o que o Teatro pode e poderia ser.

Não teria peça mais simbólica para encerrar o FestLuso, que mais um ano entrega um lindo festival de teatro para o Piauí, para o Brasil. Um festival que é… Lusófono. Estamos aqui, neste tempo, unidos por uma língua que do lado de cá nos agrediu e nos colonizou e do lado de lá se construiu por meio de palavras bem portuguesas como sangue, ouro, exploração, Deus, guerra, sangue, exploração, escravidão, catequização, sangue, sangue… vermelho como brasa, como Brasil.

Não é à toa que uma das palavras mais celebradas da (nossa?) Língua Portuguesa é saudade. Mas podemos falar sobre isso mais adiante.

Quando soube dessa peça, minha primeira reação foi: “MONÓLOGO DE TRÊS HORAS???”. Só aí já me conquistou, tinha que entender que ator ousado é esse que se propõe a fazer um monólogo de três horas ininterruptas, sem grandes cenários, sem grandes figurinos, ele e só ele, ali, no monólogo, de TRÊS HORAS, falando sem parar.

Ao final, entendi. Clayton Nascimento não faz essa peça só, e nunca se propôs a isso. Sua dramaturgia nos faz entender que aquele corpo preto que se apresenta a nós é um corpo carregado de histórias e multidões. Na verdade, Clayton fez um milagre em conseguir em tão pouco tempo vocalizar tantas vidas, dores, risos… vocalizar tanto TEATRO.

A peça já acabou, mas até agora estou embargado dessa palavra que herdamos dos portugueses. Saudade. Estou com saudade. A história do Brasil é uma história sobre saudades. Dos milhares de povos que tiveram suas vidas e culturas sequestradas para serem escravizados, catequizados, subjugados.

Até quando a (nossa?) história será marcada pela saudade? Até quando mães como a Terezinha de Jesus terão de chorar de saudade por causa dos assassinatos de seus filhos? Até quando precisaremos lutar para que a justiça se faça, se cumpra… exista?

Eu não tenho essas respostas, mas fico feliz em saber que temos artistas do teatro da grandeza de Clayton Nascimento entregando sua vida, seu corpo, seu talento, para efervescer nossos corpos, enrubescer essa brasa brasileira, rumo a uma história, a histórias, de lutas e justiças.

Queremos, precisamos, lutamos, demandamos, choramos, clamamos por #JustiçaparaEduardo e tantas outras vítimas desse Brasil.

Para encerrar, um trecho de “A terra dá, a terra quer”, do mestre Nêgo Bispo:

“Certa vez, fui questionado por um pesquisador de Cabo Verde: ‘Como podemos contracolonizar falando a língua do inimigo?’. E respondi: ‘Vamos pegar as palavras do inimigo que estão potentes e vamos enfraquecê-las. E vamos pegar as nossas palavras que estão enfraquecidas e vamos potencializá-las.'”

“Por que o povo da favela fala gíria? Preenchem a língua portuguesa com palavras potentes que o próprio colonizador não entende. Enchem a língua como quem enche uma linguiça. E, assim, falam português na frente do inimigo sem que ele entenda. A favela adestrou a língua, a enfeitiçou. Temos que enfeitiçar a língua.”

Escrito por Noé Filho.
Revisado por Paulo Narley.

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