Acho lindo quando o santo lhe pega. Desprevenida e vulnerável. Coração cheio. Pernas cansadas de costurar. Pescoço tenso. Preocupações na cabeça. O estômago incomodando. E, de repente, uma suspensão. O corpo para o movimento, o tempo lentifica, a respiração falta. Tudo está num entre que dura um eterno milésimo de segundo. Um olhar estático e vítreo, arregalado, pro alto. E começa a girar e a girar e a girar. De repente, não mais que de repente, para minha surpresa.
As louças, em suas mãos, espatifam-se no chão e misturam-se ao sons dos atabaques e cantos lá dentro do barracão. Um poder lhe invade, eu vejo. Dela, desprendem-se ondas de calor, como um abraço morno e terno, em pulsações. Ela é como um astro em sua galáxia, tudo é harmônico nessa rotação. Alguém, de algum lugar, ruge, soltando todo o som de dentro de si, entoando um “Ogum de Lei, não me deixe sofrer tanto assim, meu pai”, seguido pelo coro dos presentes. Todos de branco. Como estrelas que esotericamente a orbitam agora.
Acho lindo quando o santo lhe pega, porque uma orquestra e um balé de leveza e negrura se arquitetam em minha frente: sua pele, a saia branca, gomada com zelo para essas macumbas, farfalhando cheia de vento nos incensos daquele anoitecer. Ela de braços abertos, cabeça altiva, dando lugar à Dona de sua cabeça, sendo um cavalo da sua entidade, que baixou em terra sem aviso e chamado. E adentra seus mais profundos afetos e feridas e sonhos. Seu corpo eletrizado e latejante, envolvido com bálsamo e poder. Seu porte, de repente, é nobre, altivo. É a Rainha de Sabá em toda a sua glória.
Olhos fechados no giro. Coisa linda é o oculto. É magia. É silêncio e batuque.
A entidade, nessa noite, não gargalha, não fuma, não pediu cerveja. Só veio girar em silêncio, lábios retesados, suor no rosto e nas têmporas. Só gira. E o povo continua com palmas e laroyês: “quando eu morrer, vou voltar lá na Aruanda. Saravá, Ogum! Saravá, Seu Sete Onda!”.
Acho lindo quando o santo lhe pega, porque a música para e, em círculo, todo mundo escuta as respirações dela, rápidas e superficiais. Os batuques do seu coração. E ela gira e gira. “Deu meia noite, o galo já cantou, lá na encruzilhada”, canta uma das presentes. E ela é jogada ao chão como uma pena. É um cair estético, calculado. Uma dança. Cai de joelhos. Estufa os seios e o tronco em direção ao céu, à lua cheia. À rasga-mortalha que pia lá no alto da mangueira. Segura a saia com as duas mãos. Coxas à mostra. É quando a Cigana nela gargalha. Um “quiá quiá quiá” que corta a noite, produzindo silêncio na mata ao redor.
Acho lindo quando o santo lhe pega, porque ela acorda chorando, os olhos marejados, a voz trêmula, perguntando o que aconteceu.
Foi um balé, minha doce. Um balé de giros, silêncios!