Sertão. Centro-sul do Piauí. Chão de piçarra, plantas retorcidas e cactos típicos da Caatinga. Nenhuma semelhança com teatros luxuosos que recebem óperas, ainda assim, este é o ambiente que dispensa cenário para um espetáculo de tirar o fôlego.
A Ópera da Serra da Capivara chegou ao quarto ato, o último dessa série, e homenageia a mulher que transformou todo aquele lugar com 50 anos de trabalho e faz questão de destacar que não fez nada sozinha: Doutora Niède Guidon.
O espetáculo aconteceu na base da Pedra Furada, cartão postal do parque, com uma produção sem igual no Piauí, envolvendo cerca de 300 profissionais entre músicos, dançarinos de companhias locais, da capital e de fora estado, iluminadores e técnicos das mais diferentes especialidades. Um grupo altamente dedicado para entregar três noites de arte e Cultura para um público de aproximadamente 700 pessoas vindas de outros estados, de outros países e também da comunidade. Esse é um grande fator que não pode passar despercebido: o envolvimento da comunidade e sentimento de pertencimento. Isso cria laços fortes entre o parque e a população vizinha, além de gerar renda com a contratação da mão de obra, gera intercâmbio com a participação do corpo de dança local no espetáculo.
A ação era constante em até oito pontos diferentes: dois telões com projeção (sendo que em um deles havia interação do balé vertical), palco do anfiteatro, grua (onde vimos desde bailarina num aro suspenso a onça capturada por uma rede), cama elástica (da qual a pequena Niède foi despertada), uma reprodução da Torre Eiffel, palco da banda e a própria Pedra Furada como enorme cenário de projeção. Praticamente uma prestidigitação, um truque de mágica que guiava o olhar do espectador para todos os pontos.
E assim, na certeza de não conseguir absorver toda a maravilha, a poesia da ópera que usa de tecnologia no meio do berço da humanidade nas américas, que vemos a história de uma menina sonhadora, jovem que escapa da Ditadura e mulher que descobre evidências que mudam toda a concepção de como o homo sapiens ocupou o continente americano. Dito isto, entendemos o motivo de público não se dar por contente com apenas uma apresentação e repetir a dose (alguns vão às três execuções) para ver “a mesma apresentação”, mas que de modo algum é a mesma! Detalhes que fogem à primeira vista aparecem na segunda visita e outros mais são revelados apenas no terceiro olhar, melhor ainda se o observador estiver em pontos diferentes a cada noite, mudando o ângulo, numa nova perspectiva.
Ver cactos dos mais diversos, nebulosas do espaço, rosas e paisagens do Sertão ganhar vida em projeções gigantescas junto aos dançarinos performando ao som de uma banda tocando de clássicos franceses a autorais com a identidade de nosso povo, é emocionante. Tanto quanto a vibração, a onda que se instalou na plateia e equipe, as mais de mil vozes em uníssono: Niède! Niède! Niède! Quando a arqueóloga levantou ao final do espetáculo visivelmente emocionada. Emoção. Emoção para todos, sendo a maior, mais transformadora, a emoção de saber que tudo aqui é nosso! É Piauí! Nossa história, nosso patrimônio, nossa Cultura!
A ópera foi idealizada e dirigida por Sádia Castro, a direção de arte de Filipe Guerra e direção de dança de Datan Izaka e contou apresentações de Cátia de França, Ostiga Júnior, Roberta Sá, Cordel do Fogo Encantado, Dona Onete e o DJ Gil Preto após o espetáculo principal.