Um retorno da franquia de jogos de terror psicológico, Silent Hill, que em seus melhores momentos executou com elegância e inteligência, narrativas que versam sobre o campo do absurdo e do insólito inerente às mentes humanas, poderia ser hoje sobre um conjunto de fãs órfãos que enxergam, com preocupante frequência, ligações forçadas entre informações que não se cruzam, o famoso pelo em casca de ovo. Do mesmo modo que seus jogos brincam com a lógica ao colocar espíritos mortos andando no campo dos vivos, há muitos anos um suposto retorno da franquia assombra e explode nas redes, quase como um anúncio da segunda volta de Cristo. Mas, afinal, o que significa Silent Hill hoje?
Há alguns dias, esse assunto chega até mim pelas redes sociais. Se trata de um movimento cíclico que ocorre em lugares como o Twitter ou fóruns como o Reddit, em que “alguém” se declara como possuidor de informações privilegiadas e secretas e anuncia “algumas” dessas informações sobre “algum” projeto de “algum” tipo de empresa em “algum” lugar do mundo, referentes ao desenvolvimento de um novo Silent Hill. Posteriormente, veículos midiáticos comentam, agregam ou dissolvem os rumores que, por sua vez descansam até o próximo insider da indústria dos jogos trazer as supostas novas informações secretas. Contudo, faz mais de dez anos desde o último lançamento oficial e mais de sete desde o famigerado Playable Teaser de Hideo Kojima, considerado uma obra-prima dos jogos de terror.
Mas, apesar dessa época de seca na produção da franquia, por si só, o tempo não consegue apagar a reputação e a influência da série. Fragmentados naqueles que os consomem, criações artísticas como Silent Hill ou qualquer outro jogo, que com o passar dos anos se torna alinhado com a cultura pop, são vistos como referências em outras obras e passam a se tornar material de referência para outros criadores. É natural, nada se cria tudo se copia, ou como canta Jack White em sua canção Ice Station Zebra, “Todo aquele que cria é um membro da família / Passando os genes e ideias em harmonia”. Logo, é esperado que produções artísticas marquem o imaginário popular e se mantenham como um tipo de referência para futuros criadores, entretanto, a trajetória recente da franquia de terror Silent Hill traça paralelos com a cultura do hype, do burburinho excessivo e da conspiração desenfreada.
E, ao olhar para trás, é compreensível tanta expectativa. Silent Hill 2, lançado em 2001, envelheceu como vinho e hoje é considerada uma das obras-primas dos jogos de terror, acompanhado de títulos menos influentes, mas ainda sim bem estabelecidos em seus conceitos e produções, que são os jogos Silent Hill, Silent Hill 3 e Silent Hill 4: The Room. A partir do quarto jogo numerado da franquia a qualidade dos jogos se tornou instável, até sumir com a retirada da demo jogável do futuro título da franquia que seria dirigido pelo famoso game designer e peça chave da maior parte das conspirações, Hideo Kojima.
A busca por “supostas” mensagens codificadas, “supostos” tweets que “talvez” tenham algum tipo de significado oculto, a “aparente” semelhança entre uma atriz ou modelo quaisquer com alguém que Kojima tenha tirado uma foto, um “desconhecido” desenvolvedor que busca atenção com mensagens “ambíguas”, o surgimento “estranhamente oportuno” e quase que “mágico” de vazamentos que se acumulam como em uma antologia de contos. Essa repetição semântica do sentido de incerteza em todas essas descrições é, em resumo, o que vem acontecendo há anos na comunidade.
Entretanto, apesar dessa desconcertante relação de teorias infinitas, tudo indica que um novo título da franquia Silent Hill está por vir. Um não, três. E isso deixa os fãs felizes? Não completamente. Após a Konami, empresa que detém os direitos autorais da franquia, entrar com uma ação de copyright contra algumas imagens conceituais vazadas, o que ironicamente valida a tese do que foi vazado, muito se especula que um desses três jogos seja um remake de Silent Hill 2, o maior e mais memorável jogo da franquia, através de uma empresa de jogos europeia chamada Bloober Team. Ainda sim, são tantos rumores em torno disso que se torna difícil falar em uma linha factual, mas o que é fato é a baixa qualidade do estúdio europeu e o seu péssimo jeito com escrita de narrativas que abordem temas pesados e psicológicos, além de um histórico duvidoso envolvendo originalidade na produção de seus jogos, que põe medo em qualquer fã da franquia. O vídeo abaixo, em inglês, ilustra algumas das diversas problemáticas a cerca do estúdio Bloober Team, conhecidos por copiar de maneira quase criminosa outros artistas e pela escrita de narrativas fracas.
Em seu último lançamento, The Medium, a Bloober Team em vez de criativamente se inspirar naquilo que toma como fundamento básico, busca a maior parte do tempo emular ou copiar o que Silent Hill faz, só que pior, de maneira irresponsável ao falar sobre temáticas sérias como abuso sexual, depressão e violência doméstica, como se todas essas coisas fossem legais de se colocar num jogo, mas sem a devida reflexão. Logo, é quase um insulto esperar por um novo Silent Hill vindo desses tipos de pessoa.
Apesar de as incertezas constantes ao redor de um novo jogo da série, uma coisa é certa: nada será como antes. O grupo de desenvolvedores responsável pelos jogos com maior renome e destaque não existe mais.
Existe um salto de tempo e de cultura que equivale a quase 20 anos entre o quarto título da franquia e hoje. Não seria o momento para nos despedirmos de Silent Hill? A sua influência nunca poderá ser apagada e seus feitos e conquistas reverberam através da indústria de jogos através de novos e consolidados criadores, mas nada será como antes e a maneira como o futuro é traçado não me faz ter grandes expectativas. Diante disso, eu prefiro deixar os burburinhos, os vazamentos e as teorias para prestar atenção em algo bem mais interessante: os jogos ao meu redor.
Tudo indica que esse ano, os piauienses da Black Hole Games vão lançar Asleep, de acordo com a GameInformer, até o fim do ano teremos o jogo The Callisto Protocol, uma obra de horror espacial de criadores já renomados, não muito tempo atrás houve o lançamento do já analisado Resident Evil Village e de jogos de terror que eu nunca teria a audácia de tentar jogar como Amnesia: Rebirth e outros indies que emulam clássicos dos anos 2000 como Tormented Souls. O que todos esses jogos têm em comum? À sua maneira, cada um deles mantêm acesa a chama das narrativas de horror psicológico, aprendendo e evoluindo o modo de se contar histórias assombrosas no suporte midiático videogame, deixando uma coisa bastante clara: Silent Hill nunca vai voltar porque nunca foi embora.
O futuro da franquia é tão instável e imprevisível quanto é, de fato, qualquer especulação sobre o futuro. Entretanto, no agora, o que mais podemos fazer para apreciar o que essa franquia tem de melhor é consumir os seus frutos, os seus resultados, as suas influências. Como qualquer produção de arte, do mundo ela veio e no mundo ela está.
Revisão: Joana Tainá