Revisão: Joana Tainá
Assombração que vive pelas matas piauiense. Solta gritos ensurdecedores que desorientam as pessoas, fazendo com que percam o caminho. Por onde o Pé de Garrafa passa é possível encontrar pegadas redondas na terra úmida, inclusive, é a partir desse fato que surgiu o nome da lenda.
Algumas pessoas contam que ninguém conseguiu ver o Pé de Garrafa direito, é só as pegadas ou um vulto correndo e gritando pelas matas, por isso ele não tem uma descrição física definida. Já outras pessoas juram de pés juntos que o Pé de Garrafa tem a figura dum homem todo cabeludo, só com um olho, um chifre no meio da testa e possuí uma única perna, que termina num casco igual o fundo de uma garrafa.
Além do Piauí, que foi uma das primeiras regiões onde se registrou a lenda, o Pé de Garrafa também já fez aparições pelo Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais.
Ele vem se aproximando, aproximando…
Uma das narrativas mais clássicas quando se fala do Pé de Garrafa é a do caçador que se salvou subindo numa árvore, ela é contada há tanto tempo que já era registrada no século XIX:
Conta-se frequentemente esta lenda nos sertões do Piauí: Andavam dois sertanejos à caça, até se perderem um do outro. Um deles, depois de errar [andar] desesperadamente pelas matas, começou a gritar pelo companheiro, num gritar rouco e atormentador. Uma voz o respondia, pelo que se animava a gritar mais e caminhar em direção do grito, que por sua vez também se aproximava. Depois de certo espaço de tempo, o sertanejo, perdido na solidão das matas, viu uma coisa enorme surgir dentre as arvores, grande, alta, medonha, terrivelmente a meter medo (…).
Frio de medo, lutando pela vida, pôde subir a uma arvore muito alta, pelo que o animal não pôde vê-lo, visto como era de um formato que não podia olhar para cima. (…) [O Pé de Garrafa] irritou-se e estrugiu medonhamente debaixo da arvore, tirando em seguida de debaixo de um braço o quarto de um homem, que trincou [mordeu] gostosamente.
Desde então os caçadores do sertão, quando se perdem dos companheiros, raras vezes gritam, com medo da aparição do pé de garrafa.
(1891) – Leonidas de Sá
Os gritos do Pé de Garrafa funcionam como verdadeiras armadilhas para quem adentra as matas do Piauí. Se a pessoa responder, ele vai encontrá-la mais cedo ou mais tarde, pondo uma dúvida na nossa mente “Quem é a caça e quem é o caçador?”.
Às vezes esses gritos não servem apenas para atrair as possíveis vítimas, eles também desnorteiam e dão a impressão de vir de todos os lados ao mesmo tempo, fazendo as pessoas se perderam cada vez mais, sem se depararem com o Pé de Garrafa ou com um caminho de volta para casa.
Não o veem ou o veem raramente. Ouvem sempre seus gritos estrídulos, ora amedrontadores, ora tão familiares que os caçadores procuram-no, certos de tratar-se de um companheiro (…). E quanto mais rebuscam, menos o grito serve de guia, pois, multiplicado com todas as direções, atordoa, desvaira, enlouquece.
Dicionário do Folclore Brasileiro (a 1ª edição é de 1952) – Câmara Cascudo
Apesar disso tudo, há relatos que não resumem a lenda a algo que apenas mata ou enlouquece. Rafael Nolêto, por exemplo, um dos grandes difusores do paganismo piaga no Piauí, que dentre outras coisas trabalha com lendas/entidades locais em suas práticas mágicas, assim nos conta sobre o Pé de Garrafa:
De acordo com as descrições este ser possui o corpo idêntico ao de um homem comum, mas ele pode ser reconhecido pelos pés, que possuem formato de fundo de garrafa. (…)
Quem encontrar o pé de garrafa pode correr o risco de ser levado para o “encante” e não retornar mais. Há quem acredite que o Pé-de-garrafa só começa a gritar após a meia noite. Pelas trilhas onde esse bicho passa é possível encontrar marcas redondas parecidas com o fundo de uma garrafa. O infeliz que tiver o azar de passar por cima dessas marcas recebe uma enorme carga de azar.
Dizem que quando um caçador ouve seu grito pode voltar logo para casa, pois sua noite já foi amaldiçoada e ele não conseguirá mais pegar nenhuma caçada. Isso ocorre porque o grito do pé-de-garrafa afasta todos os animais das proximidades. A crença popular diz que ele não é intencionalmente perverso, mas seu grito o torna fatal.
Mitos Piauienses – Rafael Nolêto
Um protetor da floresta? Um monstro, uma assombração? Um caçador de seres humanos? A lenda do Pé de Garrafa é carregada de mistérios. O certo é que suas pegadas e gritos percorrem as matas do Piauí há muitos anos, deixando marcas não só pelo chão, mas também em seu povo.
Você conhece alguma lenda ou tem alguma história dessas para contar? Quer sugerir pautas para a Geleia Total? Manda a sua sugestão para: redacao.geleiatotal@gmail.com
Referências
10 lendas do Piauí – Geleia Total (aqui)
Pé-de-Garrafa – Lendas Piauienses (Geleia Total)
Contribuições para o Folklore brazileiro in Revista Mensal da Sociedade União Piauhyense (PE) – 1891 – Leonidas de Sá (aqui)
Dicionário do Folclore Brasileiro – Câmara Cascudo
Mitos piauienses – por Rafael Nolêto (aqui)