A paixão de Cristo talvez seja a experiência teatral que mais mobilize público em um período festivo do ano Brasil a dentro, isto porque mexe com questões da Fé de um povo e com um imaginário que é construído e cultivado em nossas mentes há muitos anos.
A história nós sabemos de cor, a Via Sacra, aquela que reconta a história do Cristo, o homem da galileia que não fundou religião alguma, mas trouxe muitos ensinamentos, seu nome é Yeshua, comumente conhecido como Jesus e que caminhou pela Terra há pouco mais de dois mil anos.
Esta história nós já conhecemos, para o que talvez não demos tanta atenção é que, na tradição católica, o período da quaresma, pelo menos na experiência brasileira, é marcado por um movimento que parece ser unificado, mas não é, pois cada expressão é única e independente. Porém, colabora para uma experiência coletiva que encontra ressonância em muitos lugares nesse país. A essa experiência chamamos de Paixão de Cristo.
Pensemos em um país em que por muito tempo acreditou-se (ou ainda acredita-se?) que a experiência teatral era apenas para uma parcela pequena da população, pois supostamente demandava um repertório cultural rebuscado onde somente pessoas com certo poder aquisitivo e capital cultural poderiam acessar. Tudo isso nós sabemos, é balela. Basta termos olhos mais cuidadosos para percebermos que esta experiência diz respeito a todo ser vivente que possua um corpo e esteja diante do que convencionalmente chamamos de espetáculo, mas o teatro tem muitos nomes.
A Paixão de Cristo é uma prova disso! Se pudéssemos ver amplamente, poderíamos constatar que esse “espetáculo”, neste período do ano, acontece tanto nos grandes centros urbanos como nos lugares mais interioranos do Brasil, sejam eles cidades, povoados ou vilas. Onde há a tradição católica e pessoas dispostas a reencenarem essa história, haverá uma Paixão de Cristo sendo contada e certamente mobilizando um número exorbitante de atores e atrizes em movimento, mas também uma plateia atenta, emocionada e interessada no acontecimento cênico. Até aqui acredito que este texto reivindica a importância desse movimento cênico na experiência teatral do país.
No Piauí, não seria diferente. São muitas propostas teatrais distintas para a encenação e cada uma delas tem suas demandas. Aqui, vou me ater à experiência de Bom Jesus, cidade localizada a pouco mais de 600 km de distância da capital, Teresina, com pouco mais de 25 mil habitantes, uma cidade majoritariamente católica e que já expressou uma forte tendência a proposições cênicas no Estado. Um exemplo disso é a construção de seu teatro, o ALARD, fazendo referência ao Aprendizado Livre de Artes Dramáticas, o primeiro grupo de Teatro de Bom Jesus, que tem seu registro de fundação no ano de 1992, tendo como um dos fundadores Fábio Novo, um grande entusiasta das Artes da Cena e da cultura de um modo geral, tanto na cidade como no Estado.
Bom Jesus também é cenário para essa manifestação cênica, a Paixão de Cristo, e encontra-se na sua 16ª edição. Não fossem os intervalos impostos pela pandemia, já seriam marcados 18 anos de dedicação a essa experiência. O que podemos destacar disto é que em Bom Jesus está também a prova de que a experiência teatral acontece e está disponível para uma população que participa deste movimento e que se emociona com ele, mas sobretudo uma população que conhece e produz teatro há muito tempo. E esta é uma informação muito importante.
O espetáculo A Paixão de Cristo em Bom Jesus acontece no decorrer destes anos graças à dedicação de artistas piauienses comprometidos com a contação dessa história, mas também dedicados à experiência estética como catalizadora de emoções e de transformações afetivas.
Acontece com a colaboração e o labor de artistas da cidade de Bom Jesus, mas também de artistas da sua capital, Teresina, artistas estes que deslizam sobre os mais de 600 km de estrada e sobre mais de 10h de viagem entre um trecho e outro.
A edição desse ano marca a retomada da encenação na cidade e contou com a direção atenta e perspicaz de Franklin Pires, ator e diretor piauiense que compreende a produção teatral com muita clareza e consegue, através de sua dinâmica e didática a cooperação e organização de seus atores, mas também a resolução e produção de cenas rápidas e com uma narrativa coesa. Essa é uma inteligência necessária e preciosa para dar conta de um universo de quase 70 atores e atrizes em cena e de uma história que é a mesma todos os anos, mas que nunca se repete.
Destaco estas habilidades de Franklin Pires, pensando no tempo de ensaio disponível para a produção desse espetáculo, que contou apenas com três dias e meio de ensaio e que também só foi possível graças ao comprometimento das pessoas envolvidas e dispostas a contar essa história.
Um outro ponto interessante a se destacar é que esse espetáculo, por ter tantos anos de acontecimento contínuo, mobiliza a população também por muitos anos e adquire uma característica geracional do seu público e do seu elenco, não à toa vemos atores e atrizes que participaram de edições passadas ainda na infância e hoje são adultos comprometidos e dedicados com este trabalho.
E todo este esforço é potencializado por um cenário natural que preenche e é preenchido de muitos significados, a começar por ser aos pés de uma enorme serra, uma das muitas serras que compõem a paisagem de Bom Jesus. A partir dessa serra, é possível ter uma visão luminosa da cidade, que, durante a noite, parece ter invertido o céu de sentido, ficamos acima, muito acima, das luzes da cidade e parece que o céu despencou silenciosamente sobre nossas cabeças. Esta é a Serra onde, com olhos atentos, é possível ver em sua forma uma composição que remete a um rosto; há quem diga que seja a representação do próprio rosto de Cristo.
Neste dia 15, na Sexta Feira da Paixão, o espetáculo aconteceu à noite, como de costume, banhado por uma Lua cheia que parecia influenciar nossas emoções; sempre há choros, sempre há alguma indignação com o açoitamento do Cristo, sempre há uma experiência que nos move do nosso sentido comum das coisas, que nos transporta para alguma emoção, é sobre isso que estamos falando quando fazemos Teatro, é nesse sentido que esta experiência estética se concretiza e permanece.
Vida longa aos seguidores de Cristo e suas paixões, vida longa aos fazedores de Teatro e suas paixões, vida longa à Cena de Bom Jesus!
Elenco
Edmar Varão: Jesus
Bid Lima; Madalena
Elton Marks: Pedro
Leandro Harias: João
João Vasconcelos: Anás
Siro Sires: Caifás
Fábio Novo: Herodes
Marcel Julian: Pilatos
Gislene Daniele : Cláudia
Ateneia : Maria
Marcelo Rego: Judas
Bruno José: Claudius
Felipe Paiva; Matheus
Lucas Abá: Barrabás
Franklin Pires : Nicodemos
Lindo 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻