Revisão: Joana Tainá
Pelas serras e morros do Piauí corre um carneiro revestido de luz e com uma estrela brilhante na testa. Ele é arisco e muito rápido – salta de um lado para outro – o que torna difícil de pegá-lo. Acreditam que ele indica o local onde há uma grande riqueza enterrada ou escondida em alguma gruta ou olho d’água.
Essa história aparece em várias cidades piauienses como Campo Maior, Oeiras, Amarante, Bom Princípio do Piauí (onde o carneirinho também é conhecido por Fogo Corredor), Esperantina e Picos (lá é conhecido pelo nome de Bezerro de ouro). A lenda inclusive dá as caras em outros estados do Nordeste como Maranhão e Bahia.
Serra de Santo Antônio – Campo Maior
A uns 12 km da cidade de Campo Maior, a Serra de Santo Antônio é carregada de lendas. Dizem que frades franciscanos (ou um monge missionário a depender da versão da lenda) atravessavam a região com uma grande quantidade de ouro e acabavam morrendo, deixando o tesouro pelo caminho.
“Vez por outra o monge aparece, durante a noite, transformado no grande carneiro branco e tendo na testa a estrela radiante que é o símbolo da riqueza enterrada”. (Câmara Cascudo)
O Carneiro aparece na região há muitos anos. Temos registros da lenda que contam com mais de 100 anos:
“Conta-se que se dá em Campo-maior, na Serra de Santo Antônio, a aparição de um enorme carneiro de ouro, que se tem apresentado a algumas pessoas, de dia, e a outras que o veem à noite, de longe, da cidade, todo vestido de luz. Dizem que ele berra junto a uma enorme corrente de ferro indicando que naquele lugar existem grandes riquezas e grandes encantos. Mas, como uma só pessoa, ou mesmo duas e três não conseguem levar para sua casa o enorme achado precioso, voltam à cidade e reúnem povo para buscar o velocino. Chegando, porém, ao lugar, carneiro e a corrente desaparecem.
Isto ouvi contar, em 1884, por uma velha de mais de 80 anos, antiga moradora em Campo Maior e que afirmou ter visto de longe o carneiro de ouro com uma estrela de brilhantes na testa.”
Folklore Piauiense (1913) – Leonidas Sá
Na mitologia grega, também houve um carneiro cujo pelo era de ouro e que viajava pelo ar como um rastro de luz. Ele acabou por ser sacrificado, no entanto, a pele do bicho virou o famoso “velocino de ouro”, que aparece na história de Jasão e os argonautas sendo colocado em uma gruta e guardado por um dragão que não dorme.
Essa referência à lenda grega ao se contar sobre o Carneirinho de ouro daqui aparece também num conto de 1912 de João Pinheiro:
“Depois do último dia de soalheira [calor intenso] passado sobre o lombo amigo do ‘alazão tustado’, ao chegar a Campo Maior, quase à noitinha (…) Nisso ocorreu-lhe ao pensamento a lenda da serra que lhe haviam contado na véspera e, sem querer, insensivelmente, começou a devanear sobre o estranho velocino e a grande corrente que segundo lhe referiram apareciam ali como um extraordinário encantamento ou quem sabe! atestando talvez prodigiosas fortunas ocultas ou inconcebíveis, monstruosos mistérios da mais remota antiguidade! Quem sabe! Em todo caso, embora só por mera curiosidade passaria por lá quando voltasse.”
José Apollorio (1912) – João Pinheiro
Dizem que essa “grande corrente” de ferro junto ao carneiro se afunda em um olho d’água e que na outra ponta está preso o tesouro encantado. Parece fácil enriquecer, né? O ruim é que até hoje ninguém conseguiu puxar essa corrente, nem juntando três pessoas deu certo.
Morro do Leme e Morro da Sociedade – Oeiras
Agora, indo para Oeiras, o Carneirinho também dá o ar da graça. Por lá ele corre do alto de um morro a outro no meio da zona urbana. A corrente que é vista em Campo Maior ao pé do carneiro aqui se “transforma” numa serpente. Ela serve como uma guardiã e afugenta as pessoas que vão só pela ganância atrás do ouro encantado:
“(…) O carneirinho de ouro seria um carneiro dourado com uma estrela de brilhantes na testa. O animal costuma atravessar do Morro do Leme ao Morro da Sociedade altas horas da madrugada. A tradição nos conta que aquele que conseguir pegar o carneirinho ficaria muito rico. Reza a lenda que o carneiro é protegido por uma serpente gigante, reluzente e que também habita no Morro do Leme. Alguns juram de pés juntos já terem visto o carneiro, outros afirmam que já viram os olhos vermelhos da tal serpente em uma das cavidades do Morro do Leme.”
Trecho retirado do site da prefeitura de Oeiras
Bem arisco, o Carneirinho dá uma canseira em quem tenta pegá-lo. Nas madrugadas, ele sai do seu esconderijo no Morro do Leme e corre até o outro lado da cidade para passear pelo Morro da Sociedade. Tem quem diga que ele até dá umas voltas pelas ruas de Oeiras.
Morro Grande – Picos
O Bezerro de Ouro do Morro Grande, cordel de autoria de Deolinda Marques, nos conta um pouco sobre como a lenda se apresenta na região. O bezerro é descrito como um animal jovem com os chifres ainda se formando. E o barulho que ele faz se escuta de longe igual filhote abandonado “chamando por sua mãe; querendo amamentação”.
Cresci ouvindo essa história
Que nosso avô nos contava.
A de um Bezerro de Ouro
Que lá no morro morava.
Ser dono do bezerrinho,
Todo menino sonhava.(…)
Nosso bezerro é bonito,
De raça, muito famoso.
Tem uma estrela na testa
Que ostenta todo garboso.
Mesmo sendo inda novinho,
Tem aspecto grandioso.É um bezerro monjolo,
Muito gordo e raceado.
Tem pelo muito brilhante,
E pontas de chifre armado.
A sua estrela da testa
É diamante cravejado.É feito todo de ouro
Maciço e tão bem polido.
Brilhante igualmente ao Sol,
Jamais será esquecido.
Só foi visto por bem poucos,
Por muitos é perseguido.Cordel de Deolinda Marques
O Bezerro de ouro passa um bom tempo em sono profundo enterrado no alto do morro, “bem escondido (…) [com] medo de cachorro”, mas quando ele acorda e se dana “a mata toda balança”, é pedra e vento para tudo que é lado. É nesses momentos que se vê algo brilhante descer o morro.
E se sumir alguma joia sua, se algo de ouro caiu e desapareceu, se guardou um brinco e num sabe onde tá mais, já fique sabendo que pode ser por causa do Bezerro de ouro:
Quando se perde uma joia
Rapidamente é “chupada”.Se mulher perder um brinco
Cordão de ouro ou pulseira
Procura-se a miúdo
Encontrar é brincadeira!
Some tudo de repente
Não se vê nem a poeira.(…)
Como um verdadeiro encanto,
O ouro desaparece.
Todo mundo já perdeu
E sabe como acontece.
Pedido a São Longuinho?
Nem precisa fazer prece!Cordel de Deolinda Marques
Essas coisas só atiçam ainda mais a ganância de quem persegue o bezerro/carneiro. No entanto, ele sabe do que as pessoas são capazes, se pudessem – com certeza – lhe arrancariam o couro e fariam um velocino de ouro só pra se amostrarem por aí, sem se importarem com todos os encantos que a lenda traz às serras, grutas e morros pelo Piauí.
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Referências
10 Lendas do Piauí – Geleia Total (aqui)
Carneirinho de Ouro – Lendas Piauienses – Geleia Total (Aqui)
Folklore Piauiense – Leonidas Sá in Revista Litericultura – Therezina, 31 de agosto de 1913 (o português dos trechos usados desse texto foram atualizados para melhor compreensão) (Aqui)
João Pinheiro – José Apollorio – Literacultura (1912), anno 1, nº 3. (o português dos trechos usados desse texto foram atualizados para melhor compreensão) (Aqui)
Magia e encantamento na Serra de Santo Antônio – Causos Assustadores do Piauí (aqui)
Dicionário do Folclore Brasileiro – Câmara Cascudo
No Dia do Folclore, conheça as principais lendas de Oeiras – Prefeitura de Oeiras (Aqui)
O Bezerro de Ouro do Morro Grande (cordel na íntegra)
O Livro de Ouro da Mitologia – Thomas Bulfinch