Da mordida à maldição: a Porca do Dente de Ouro

Fundo da cor rosa, em destaque há o desenho de uma porca com uma das presas da cor amarela saindo da boca, abaixo dessa porca está escrito "Porca do dente de ouro", por cima dela há um mapa mostrando as ruas de Teresina com os dois rios.

Revisão: Paulo Narley

“No ano de 50 aquilo ainda era um breu de escuridão nos tempos sem lua. O pessoal continuava nervoso temendo a própria sombra. E numa noite sem data ‘Dente de Ouro’ apareceu.” ¹

A Porca do Dente de Ouro é uma das lendas mais icônicas de Teresina. Uma assombração urbana que corre à noite pelos bairros, perseguindo quem encontra pelo caminho, ela é vista pelas ruas da Zona Norte e pouco tempo depois já está do outro lado da cidade, na Zona Sul, sem ninguém dar de cara com ela no Centro.

Uma das versões mais famosas da lenda fala de uma jovem que gostava de sair pros forrós. Isso era uma coisa que a mãe odiava nela, simplesmente odiava. Era briga quase todas as noites. Numa dessas confusões, a filha acabou arrancando um pedaço da bochecha da mãe com uma mordida pra conseguir se soltar e sair pro bar.

Quando ela voltou pra casa, na manhã seguinte, foi trancada num quarto e ficou lá como punição por desobedecer. Dizem que ela ficou presa por tanto tempo que enlouqueceu e, como castigo pelo que fez à mãe, só saía de casa na forma de uma porca enorme com um dente de ouro se destacando na ponta do focinho.

Amaldiçoada, ela teria que correr por cada rua da cidade. E isso só teria fim no dia em que alguém conseguisse arrancar o dente de ouro, mas até hoje parece que ninguém teve coragem de fazer isso.

Em um texto de 1956, Vitor Gonçalves Neto fala da Porca como sendo “a filha da velha Margarida”¹. O autor afirma, ainda, que “era uma porca já velha com as tetas arrastando ao solo e um grunhido de meter medo”¹, que, ao invés da bochecha, mordeu foi o seio da mãe. Também já temos algo bem característico da lenda, que é a enumeração de vários bairros por onde ela passa:

“Foi vista às 22 horas nos Cajueiros. Às 23, já estava assombrando o povo noutro subúrbio quase oposto – o Porenquanto. E assim percorreu em pouco tempo quase a cidade inteira. Da Barrinha ao Mafuá. Do Barrocão ao Poti Velho. Madrugada antiga foi esbarrar na Catarina e lá desapareceu. (…)

Contam que com isso a moça ficou regenerada e nunca mais o ‘encanto’ se deu. Mas a lembrança ficou em dezenas de perseguidos naquela noite e em centenas de testemunhas oculares do fato tenebroso.” ¹

Ele localiza a origem da lenda como sendo no Bairro Catarina, na Zona Sul. A Porca sai de lá e retorna para o mesmo ponto depois de percorrer cada rua da cidade – o que nessa versão faz com que a maldição seja quebrada. Esse ponto é semelhante com as histórias de lobisomens, por exemplo, uma vez que eles também precisam correr um fado: passar por sete cemitérios. No caso da Porca, a sina é correr a cidade inteira.

Depois disso, o texto de Vitor Gonçalves Neto vem com uma história mais “real” para explicar a lenda. Essa segunda versão envolve uma porca faminta, que, enquanto fuçava atrás de comida, ficou com uma lata de flandre presa entre os dentes; devido à dor, ela saiu “alucinada pelas ruas dando carreira”¹ no povo e fez surgir a história que conhecemos.

Em 1976, saiu um texto no Jornal de Brasília que descreve a Porca de novo como sendo “velha e muito grande. Seus seios arrastavam no chão. (…) Do focinho, saía-lhe um enorme dente de ouro, que brilhava na escuridão de Teresina do início do século”². Ela é tratada como uma assombração que ninguém consegue ver direito porque passa correndo rápido e os grunhidos fazem medo a todo mundo. A versão da história também é muito parecida com a da década de 50:

“Dizem que foi uma moça, que num momento de fúria, desrespeitou sua mãe, dando-lhe uma tremenda mordida num seio. Como castigo, foi amaldiçoada. Transformou-se na Porca do Dente de Ouro, que só perdeu o ‘encanto’ depois de ter percorrido todas as ruas de Teresina e reparado o mal que causou à sua mãe.” ²

Novamente, há referência a uma mordida no seio materno e a necessidade de correr por cada rua da cidade para quebrar a maldição, mas dessa vez é acrescentada uma “reparação”, que possivelmente seja o perdão materno.

A Porca do Dente de Ouro é uma figura que tem sua humanidade arrancada de si como forma de punição. A lenda possui um tom moralizante que perdura por anos, algo que vem pra dizer qual deve ser o lugar “certo” ou qual o papel de cada um na sociedade e que qualquer desvio do padrão será punido.

Referências

1. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 05 de julho de 1953 – Folclore Piauiense: A “Porca do Dente de Ouro” – Vítor Gonçalves Neto (aqui)

2. Jornal de Brasília, Brasília, DF, 2 de maio 1976 – Folclore Piauiense para a festa

Porca do Dente de Ouro – Lendas Piauienses – Evilanne Brandão (Geleia Total)

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