Revisão: Joana Tainá
Há mais ou menos um mês, eu me mudei. Não de casa, o que seria extremamente burocrático no período de fim de ano, mas de quarto. Há mais de 10 anos eu dormia com a minha irmã e agora tenho que me adaptar a uma nova realidade, um novo espaço. O problema, entretanto, é que esse meu novo quarto se tratava de um antigo cômodo inutilizado da casa dos meus pais: sujeira de animais, resíduos de um incêndio de décadas passadas, muita poeira e inúmeras manchas. Tive que adentrar num lugar que não tinha que ser só limpo, tinha que ser também desbravado. Eu era um bandeirante dentro da minha própria casa.
E ao jogar The Gunk, o novo jogo da Image & Form Games e publicado pela Thundeful Publishing, eu era um bandeirante no espaço sideral.
Uma dupla de viajantes do espaço, Rani e Becks, resolve estacionar a sua nave em um planeta desconhecido a fim de investigar uma estranha fonte de energia que emana de lá. Até que elas são surpreendidas por uma gosma, meio marrom meio vinho, que flutua pelo ambiente em meio a um espaço consumido por sujeira e morte. Um céu acinzentado decora o planeta que está imerso nas ruínas de um ambiente colapsado. Apesar disso, quando Rani suga a gosma orgânica cor de vinho, um pequeno lago cercado de grama e mais vida vegetal surge, do mesmo modo que eu descobri que se juntasse detergente e água sanitária no chão do meu quarto novo, eu aniquilaria a camada de sujeira. Bem, essa é a lógica do “passar pano na casa”.
E em The Gunk, nesse novo planeta iremos ter que passar muito pano por aí. Ou melhor dizendo, sugar muita sujeira.
A mecânica principal do jogo, e que faz com que ele seja uma experiência prazerosa, é o ato de limpar. The Gunk é um jogo sobre limpeza. Rani, uma exploradora corajosa traz consigo um aparelho que escaneia matéria orgânica e a suga, sendo essa a principal forma de interação com o mundo: no planeta encontraremos materiais feitos de fungos, de metais, etc. e todos eles aparecem para serem sugados pelo jogador. Além dos inimigos, que podem ser sugados ou terem seus ataques sugados e devolvidos na fuça deles.
Sugar sujeira, matéria orgânica e inimigos é uma mecânica simples, mas prazerosa. Só que, desse modo, seria complicado sustentar um jogo de limpeza de planetas hostis por mais de 5 horas. Entretanto, acredito que os desenvolvedores tomaram as melhores atitudes possíveis: o jogo não tem mais do que 4 horas e não é apenas uma limpeza desenfreada.
The Gunk pode parecer, na primeira hora, um jogo que vai soar repetitivo e cansativo, mas ele demonstra ser exatamente o contrário. É um jogo que segue direitinho o abecedário do game-design. De certo modo, chega a ser previsível, mas a experiência como um todo não deixa a desejar. É apresentado ao jogador um mundo de exploração guiada repleto de puzzles, sempre precisando sugar alguma coisa, como as frutinhas que explodem ou as que geram plantas em que podemos subir e alcançar outros lugares.
A escolha de se manter um game curto, de no máximo 4 horas e meia, torna o game mais acessível para quem tem pouco tempo pra jogar e condensa suas mecânicas e seus desafios, mantendo o jogo sempre no pique, levando o jogador até situações inusitadas e num desenvolvimento de história que se enriquece a cada momento.
Todavia, nem toda a sujeira de The Gunk foi limpa. O jogo é um exclusivo do Xbox, está em suas plataformas de console, computador e pelo Game Pass, mas o seu polimento em comparação aos outros jogos também exclusivos fica a desejar. The Gunk não possui tradução para Português Brasileiro, nem opção de configuração gráfica e, creio eu, é um jogo mal otimizado. Por algum motivo, tive que jogar com os gráficos no mínimo pois aquecia muito meu computador, algo que talvez resolveria se eu pudesse alterar a configuração gráfica manualmente.
Apesar dos pesares, a relação de Rani e Becks é envolvente e me fazia esquecer que meu computador estava prestes a virar uma fogueira. Rani é a exploradora incontrolável e Becks é quem mede as atitudes e pensa a respeito das consequências, apesar de também querer saber que energia é essa que emana das camadas profundas do planeta. Rani desbrava o ambiente dominado pelas gosmas e se conversava animadamente com Becks, do mesmo jeito que eu pedia pra minha irmã trocar água do balde enquanto esfregava o chão incendiado do meu quarto. A história progride e algumas estátuas alienígenas surgem como Deuses antigos daquele planeta, revelando uma camada de narrativa suja e misteriosa que será sugada pouco a pouco durante as 4 horas de jogo.
Hoje, meu quarto não é mais um lugar imundo. Minha cama fica próxima a janela, tenho um quadro da minha namorada na parede, os instrumentos ficam ao lado do guarda roupa e o computador do lado da porta. Como Rani, eu suguei toda a sujeira e o ambiente que parecia morto e estagnado no tempo tornou-se vivo, com a minha personalidade. The Gunk é um jogo que flui tão bem quanto uma faxina: é uma experiência recompensadora porque não dura muito, se durasse um dia todo seria um saco. A companhia de Becks e Rani para essa faxina é entusiasmante e o planeta misterioso é de uma beleza inconfundível, com seu vasto e colorido céu e suas vegetações pulsantes e multicoloridas.
Quem sabe que beleza misteriosa poderá ser revelada quando você fizer uma faxina na sua casa?
Jogo disponível em: Xbox Series S|X, Xbox One e PC, através do Xbox Game Pass e o Xbox Game Store.
Pena que não tem para Switch!! Amei apresentação do jogo 🙂