Vivências de artistas locais afirmam que sim: O desencorajamento das escolas prejudica a cena cultural da cidade e sonhos pessoais.
Teresina possui uma das melhores educações públicas no Brasil, segundo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). A cidade é reconhecida pela qualidade do campo educacional, abrigando pessoas de todas as partes do país para fazer o ensino médio, curso preparatório, e o ensino superior. Além disso, quem anda pelas avenidas e ruas da capital do Piauí a vê repleta de outdoors de escolas particulares que exibem os alunos aprovados em vestibulares no curso de medicina, como se a aprovação para tal curso fosse o grande mérito da escola. Entretanto, alunos que passaram em outros cursos não possuem a mesma visibilidade, imagina quem deseja levar a sua arte como trabalho e não apenas um hobby?
Na perspectiva de Igor Filipe, psicólogo e professor, existem dois movimentos. Um deles é o de isolar ou esquecer das suas especificidades artísticas e acabar exercendo um curso superior totalmente diferente. O outro movimento é o das pessoas que não renunciam sua arte e conseguem exercer a vida profissional de algum curso, assim como seu ofício artístico. “Inclusive, com os recursos financeiros do seu trabalho, acabam investindo na sua arte”, complementa o psicólogo.
O impacto dessa ideia reflete muito na escolha profissional do jovem.
“Quando levamos em conta essa ideia de profissionalização em uma das artes, o pensamento do jovem está vinculado com as concepções de pais, de responsáveis, e da própria equipe de professores e gestores, que a arte não gera capital e não é bem vista socialmente, ou seja, não existe estímulo algum”, afirma Igor.
Eduardo Viana, graduando em ciências sociais e desenhista com exibição de suas recentes obras no evento Stouradas, afirma que seus professores falavam que desenho não dava dinheiro, logo, não teria um futuro próspero. O ilustrador conta que, “Eles elogiavam minha arte, mas sempre perguntavam ‘o que você quer trabalhar de verdade?’… A escola sempre vem com uma base para entrar em cursos superiores, e isso acompanhado de opressão e ordinariedade, mas nunca como um estímulo criativo”. Devido a esses questionamentos enraizados na época da escola, Viana desenvolvia, como muitos dos artistas hodiernos, um estímulo de autossabotagem, acarretando em não acreditar no seu potencial.
Melzes, desenhista e artesen, possuía dificuldades para entender as aulas. A única ação capaz de passar uma ideia de segurança nesses momentos era desenhar nos cadernos da escola.
“Durante o ensino médio, eu não tive perspectiva profissional… Eu era reprimide, a única coisa que eu podia expressar era repressão. Pensava que as poucas matérias que tinha afinidade eram meu ‘futuro profissional’, mas eu só queria desenhar”, relata.
Além disso, a falta de apoio familiar colabora para esse desestímulo de fazer arte. “Nas reuniões do colégio, meus professores convenciam meus pais que o fato de eu estar desenhando era uma perda de tempo… Minha mãe várias vezes já chegou a rasgar e amassar as páginas desenhadas dos meus cadernos, deixando apenas as páginas com anotações de classe e folhas limpas”, acrescenta. Os casos que elu vivenciou colaboraram para uma pausa na arte. Porém, com a ajuda de amigos desenhistas, Melzes ressurgiu com novas ideias e adentrou no mundo do artesanato tornando seu principal sustento.
Rizia Leny é musicista e poetisa, e teve uma vivência mais privilegiada, por ter apoio de uma professora de redação que observava seu potencial na escrita. “A escola nunca me deu apoio, muito menos existiam didáticas que estimulam a escrita dos alunos, apenas aquela velha redação dissertativa-argumentativa usada em vestibulares… A minha professora via que eu poderia ir mais além, ou seja, minha paixão pela escrita e literatura veio de uma iniciativa dela e sou bastante grata por isso”, conta a poetisa. Atualmente, Rizia é estudante de psicologia e leva a vida de escritora e musicista como hobby. Infelizmente, a professora de redação que incentivou Leny a adentrar no mundo da arte, Verônica Formiga, morreu neste ano, vítima de um câncer, uma perda significativa na vida da escritora que lançará um livro no próximo ano com todos os seus poemas escritos desde 2018, dedicado a essa figura acadêmica muito importante de sua vida.
Quando paramos para pensar em formas de mudar essa realidade, temos como barreira o formato educacional adotado no Brasil. Da creche até o ensino fundamental, nos colocam para pintar, dançar, escrever poemas, tocar instrumentos, cantar. Porém, do sétimo ano até o ensino médio, somos destinados apenas para o vestibular e para fazer um curso superior de prestígio. A cidade pode estar perdendo diversos artistas por conta desse sistema educacional retrógrado que oprime o ato de fazer arte.
Uma forma interessante de combate a essa opressão é a diversidade de editais de órgãos públicos e privados lançados para ajudar financeiramente artistas locais em seus projetos culturais. No entanto, percebe-se a ínfima divulgação de tais editais, o que leva muitas pessoas a não saberem de sua existência. Portanto, volto com as falas de Igor Filipe e enfatizando o lugar dele como professor. Ele explica que, por conta desse sistema ser desprovido, essas mudanças precisam ser feitas pelos próprios professores, relatando vivências e histórias inspiradoras para os alunos sobre a real possibilidade de viver de suas especificidades artísticas, além de trilhar um caminho acadêmico dentro da arte.
Links:
- Igor Filipe: https://www.instagram.com/igorgangaoficial/?hl=pt-br
- Eduardo Viana: https://www.instagram.com/era.eduardiana/?hl=pt-br
- Melzes: https://www.instagram.com/mmelzes/?hl=pt-br
- Rizia Leny: https://www.instagram.com/lerdonauta/?hl=pt-br
matéria muito necessária!! também fui aluna da professora verônica, muito querida e sempre destacava a importância da arte na vida de um, saudades eternas ❤❤❤
Parabéns pelo trabalho Blu 👏👏👏👏
Essencial debater sobre esse assunto! Parabéns pelo artigo!