O corpo é uma celebração, foi assim que mirei à Silvero quando entrei no Teatro e o vi em pé no centro do palco fitando a plateia de forma atenta enquanto balançava seu corpo de um lado a outro sem sair do lugar, usando um vestido de cor vermelha com tiras curtas e soltas que reforçavam o movimento. Parecia uma celebração, um corpo que espera e que se move, que olha e que para, um corpo que dança!
No cenário, um caixote preto, uma porta dobradiça uma mesa com suporte iluminado para um espelho, o que parecia ser um camarim, e era! Nesse espetáculo Silvero adensa alguns ambientes; um lugar para se montar, um palco, e uma BR, essa ultima como metáfora para os encontros.
Aos poucos as personagens femininas vão revelando seus nomes e suas histórias; em vários momentos essas histórias narradas por Gisele Almodóvar, um alter ego de Silvero. Ambos compartilham suas vivências e suas lembranças, na maioria das vezes em contato com outras figuras femininas também presentes no espetáculo.
Eram lembranças? Eram histórias inventadas? Eram histórias reais? Me peguei torcendo pra que fossem reais as histórias onde haviam possibilidades de descanso, de tranquilidade e de alegria para essas mulheres recontadas na dramaturgia do espetáculo, e eram.
Esse sentimento veio em fricção com a realidade dura e cruel que também é contada na Obra, no momento em que Silvero escuta uma música ou realiza uma ação no palco, atrás de sí uma projeção de imagens esfregando nas nossas caras o fato de o Brasil ser um dos Países que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo.
Em seu corpo, o ator escreve os nomes dessas figuras que povoam seu imaginário e suas retinas, ele despende um tempo adensado para falar sobre elas, para contar das suas causas e das suas angustias. Não é um espetáculo trágico, mas também é, não é um espetáculo cômico, mas também é.
A sensação que tive foi de ver e ouvir uma homenagem do ator à essas pessoas, talvez trazidas também de questões pessoais do artista enquanto sujeito no mundo, em fricção com as demandas imperativas de uma sociedade homofóbica e binária como a sociedade em que vivemos.
Vi uma poesia no movimento de descascar um abacaxi, por conta da casca grossa, mas do conteúdo doce e suculento, esse mesmo abacaxi ofertado à plateia que comprou o jogo do ator, que aderiu às suas provocações e esteve presente. Tinha poesia também na leitura de uma carta, alguém chorou ao meu lado quando ouviu aquelas palavras de uma mãe e seus desejos de cuidado e proteção para um filho, filha ou filhe!
A sensação que tive foi de que, se virássemos Silvero do avesso, certamente ouviríamos as vozes e veríamos as imagens dos rostos das pessoas que ele evoca em seu espetáculo, porque estas parecem até estar presentes nele! E não estão?
FICHA TÉCNICA
Direção: Jezebel De Carli
Texto, atuação e trilha pesquisada: Silvero Pereira
Dramaturgia cênica: Jezebel De Carli e Silvero Pereira
Músico em cena, trilha original e adaptação de arranjo: Rodrigo Apolinário
Cenário: Silvero Pereira e Marco Krug
Iluminação: Lucca Simas
Realização: Quintal Produções Artísticas