Alguém está em silencio, é uma forma diferente de também rezar; o silencio. Os minutos foram sendo gastos enquanto a plateia se organizava no espaço amontoados mediante aquele espaço cênico que comportava um corpo, era o corpo de uma mulher, velha? Talvez, viva? Não se sabe, mas aquele corpo rezava. Haviam também outros pequenos corpos, mas estes representados em esculturas de barro, que foram a tônica do cenário, madeira e barro. Essa mulher que a principio rezava, o fazia em frente à um oratório que curiosamente abrigava um pequeno jarro de flor, enquanto os santos e os anjos representados nas esculturas estavam livres daquele oratório, para ocupar o espaço e nosso o imaginário. Sim, aquele movimento de rezar, aquele oratório, aquela Fé, habitam lugares muito pessoais na gente, lugares de Avós, lugares de mães!
Talvez, estas entidades fossem evocadas porque o contexto era um contexto de horror, de guerra, estávamos ouvindo alguém relatar sobre sua fé, mas também relatar sobre suas dores, suas memórias, seu vestido de cor amarela à principio intacto. Esse relato era um relato quase cantado, como se precisasse de tempo pra dilatar, pra se firmar no mundo, as frases ganhavam cadência, não era um guturo, era a voz de alguém que teve a sorte de envelhecer, mas que viveu uma guerra.
É um Brasil do século 19, é um caso de guerra, era uma demonstração de Fé também. Antônio Conselheiro surge uma hora desenhado na fala, outra hora o encontrei em uma das esculturas que povoavam o espaço, mas ele surge também como memória, como uma síntese da Fé daquela Senhora e de tantas e tantos outros.
Até determinado ponto, era uma essa voz cadenciada quem relatava os fatos, as preces, as memórias, aos poucos essa voz foi ganhando outros contornos, outras camadas pra se expressar também, logo no momento em que o inevitável de uma guerra acontece. São tiros e mais tiros de qualquer arma mortal da época e de repente aquelas esculturas foram todas para o chão e nem o oratório se sustentou mais, ruiu; O vestido, aquele que falei de cor amarela e a principio intacto, agora estava lacerado, picotado, carcomido pela fome do fogo e da pólvora. Essa imagem me fez lembrar Brecht, “Vivemos em tempos sombrios”, mas devo ter lembrado disto porque toda guerra é desnecessária e violenta e nenhuma Fé precisava ser motor para alimentar nenhum campo de batalha.
Quando em vez meu olhar preferia ficar focado nas sombras que ganhavam tonalidades e movimentos diferentes quando refletidas nas paredes laterais, aquelas imagens ganhavam poesia por causa das coisas não ditas, por causa do silencio.
Esse espetáculo é sobre quem viveu o horror? É sobre quem conseguiu envelhecer mesmo após uma guerra? É sobre alguém que lembra? É sobre Antônio Conselheiro? É sobre as ancestralidades femininas de uma atriz? É sobre as ancestralidades femininas de uma plateia num país impregnado de símbolos Cristãos e Católicos? É sobre Fé? É sobre memória? Sim, é sobre tudo isso também!