O violeiro e artista Rainer Miranda Brito idealizou um projeto de viola solo bem curioso chamado ÁSPERO que se trata de uma empreitada de narrativas instrumentais por meio de uma viola de dez cordas e tem ecoado lá nas terras de São Raimundo Nonato. O artista compõe melodias estranhas para estórias de povos de lugar algum, dessa forma ele define o seu trabalho instrumental e autoral.
Em 20 de junho ÁSPERO lançou seu álbum “A comitiva de notícias e outras estórias” que foi construído no semiárido piauiense em fita cassete e feito manualmente. O trabalho está disponível como um álbum físico (cassete) e digital (cassete digitalizado). Essas composições fazem parte de um conjunto de estórias em torno da chegada de uma comitiva que trazia notícias, cartas e pacotes para um povoado distante, em um lugar e em um momento onde as notícias escritas, os boatos e os recados falados são as janelas pelas quais o mundo é conhecido. Pessoas, bichos, almas e coisas viajam entre os lugares pelas notícias. A comitiva chega carregada com azeite, cera, tecidos e muitas cartas, além de uma viola enviada por uma irmã que a endereça a seu irmão, morador no povoado onde a comitiva faz parada. O compositor conta que o álbum segue, com uma carta entre esses irmãos, uma viola tocando, sons ambientais e desenhos para o ouvinte desenhar as paisagens que tudo isso pode suscitar.
“O ÁSPERO é um projeto de viola instrumental solo. É o lugar, e a ocasião, onde eu podia compor e tocar minhas coisas e mergulhar nas experimentações que me ocorriam, desenhando e escrevendo estórias também. Ele nasceu como um projeto paralelo à minha atuação como violeiro profissional que estava atrelada a uma viola compreendida como “tradicional”, com afinação e repertório populares como sotaque de “música de viola”. Já o ÁSPERO era algo bastante experimental, impreciso, sujo e espontâneo, utilizando afinações de viola que eu não conseguia usar em outros ambientes musicais”, comenta.
Rainer complementa explicando que o projeto ÁSPERO foi desenvolvido no anonimato durante alguns anos, nesse período o artista espalhava as gravações com os desenhos e as estórias sem declarar autoria. Somente em 2019 foi que ele revelou o seu nome.
Então o artista retomou uma ideia antiga, a gravação em fita cassete que anteriormente também estava associada com a gravação de um vinil de 10, mas com os custos do projeto integral ele abandonou o vinil e abraçou a ideia da fita cassete. Além disso, a ideia também contemplava a gravação e finalização musical com procedimentos analógicos, tirando do horizonte o computador e/ou a componente digital.
A inspiração de Rainer Miranda é a imaginação fantástica, ele reflete sobre a possibilidade de ser um povo diferente, em um lugar distante e a vontade de sair um pouco dos ares do que entendemos e esperamos, hoje em dia, por “música”.
“Poderia dizer que minhas inspirações são mais literárias do que musicais. Gosto da ideia da viagem sem volta, da indefinição dos caminhos e da sensação de sempre estar “em uma jornada”. Acho que música, para mim, é isso. As jornadas com a música parecem mais interessantes e profundas quando exigem imaginação por parte de quem ouve – é sempre um cenário, uma ideia, várias cores, pessoas, coisas e sons possíveis para além das notas e pausas”, pontua.
Ouça o álbum “A comitiva de notícias e outras estórias”
“O ÁSPERO é uma empreitada de narrativas instrumentais naturalmente “analógicas”: é tudo feito à mão – os toques, os desenhos, as estórias. Então parece que tudo canalizou para um álbum igualmente feito à mão, em fita cassete”, reforça. O álbum é uma estória com outras pequenas estórias. Ou seja, “um monte de estórias, de narrativas instrumentais contadas com uma viola de dez cordas mergulhada em fontes culturais ainda exóticas para nós, sobretudo árabes e persas.” O “A comitiva de notícias e outras estórias” surgiu em 2018 e, segundo o compositor, as estórias vieram primeiro e os toques vieram semanas depois. As estórias e os toques ficaram guardados durante um tempo até que, em 2020, Rainer começou a ensaiar e ajustar tudo para gravar as fitas cassetes.
Sobre o processo de criação, o artista conta que começou a fazer os desenhos, pensando em como incorporaria a estória escrita no álbum e como seria a gravação. Depois vieram os testes que aconteceram no começo de 2021 e em Junho tudo virou som, fita, papel e desenho.
Uma das curiosidades do trabalho é o processo de fazer as fitas uma a uma, pois não tem produção serial, padrão e totalizada. Segundo Rainer, é tudo fracionado, parte a parte, sempre particular: com traços diferentes, com escuta atenta e atenção minha para cada embalagem, para cada gravação de fita; cortes, dobras e assinaturas nas artes.
“É um processo de criação visceral e incomum hoje e por isso creio que tem muito a ver com as estórias e com o ÁSPERO. As fitas tem edição limitada por este motivo, serão algo em torno de 50 fitas. Até agora já fiz 25 fitas, todas já foram para algum lugar para provocar imaginação de algumas pessoas. Mas o álbum está disponível digitalmente também – mas se trata da fita digitalizada, uma vez que o álbum é originalmente gravado na fita.”
Sobre o artista
O violeiro autodidata e antropólogo Rainer Miranda Brito nasceu no interior de São Paulo, em Votorantim. Ele é radicado na caatinga, no Piauí, em São Raimundo Nonato, onde atua como difusor e formador cultural com o website do projeto que coordena no âmbito da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), campus São Raimundo Nonato, PI. Violeiro dos sons ríspidos e de longas e monótonas melodias. Caminhou desde a juventude entre muitas boas gentes de viola e cantoria, visitando muitas afinações e jeitos de tocar viola, agarrou-se porém a uma ideia de viola através da música instrumental, modal e ambiente. Dedica-se também a projetos de difusão e formação cultural com a viola e a música modal.
Maiores informações sobre o ÁSPERO
Site: www.aspero.link ou aspero@sent.at.
O álbum pode ser baixado diretamente do Bandcamp (site oficial) e ouvido nas plataformas de Streaming (spotify, amazon, etc).
Link para ouvir o álbum na íntegra (bandcamp): https://aspero. link/album/a-comitiva-de-not- cias-e-outras-est-rias.