Jogar Resident Evil Village é experienciar a execução balanceada da fórmula que consagra a franquia desde 1996.
Revisão: Joana Tainá
Em Village — que traz em si o trocadilho com o número oito em romano — é dada continuidade a história do casal sobrevivente da tragédia em Louisiana, Ethan e Mia Winters, narrada no jogo anterior, Resident Evil 7. Os Winters tem a sua primeira filha, uma doce menina chamada Rosemary, e o jogo inicia com uma belíssima introdução, muito inspirada em estúdios como Pixar e Disney, que conta a história de uma menininha que vaga perdida na Vila das Sombras, dando de cara com monstros e aberrações. É uma maneira sutil de avisar ao jogador o que vem por aí.
Após a interrupção do conto de fadas macabro, assustador demais para uma criança, Ethan leva sua filha para o quarto enquanto Mia prepara a janta. Deixando-a no berço, ele volta para ter a refeição com sua esposa até que, de maneira súbita, ela é morta em uma saraivada de tiros. A casa em que eles vivem é atacada por uma equipe de investigação biológica liderada por Chris Redfield, um personagem icônico da franquia, sempre conhecido por ser um herói, mas que dispara o tiro fatal em Mia e leva sua filha embora.
É isso o que guia a sua jornada: Chris matou sua esposa, roubou a sua filha, e Ethan precisa se vingar desse maldito. Mas o buraco acaba sendo um pouco mais embaixo.
Mas, o buraco acaba sendo um pouco mais embaixo. Você é levado em um caminhão, junto de sua filha e alguns outros agentes da equipe de investigação, quando são atacados por algo desconhecido. Ethan acorda após o ataque e se vê jogado em um terreno cheio de neve, escuro e cercado por uma mata tenebrosa. De repente, a ameaça contada em forma de contos de fada se torna o perigo iminente da vida de Ethan e sua filha, agora totalmente desaparecida.
A atmosfera na qual somos inseridos é o de uma densa floresta, coberta por neve e um silêncio que aos poucos se rompe, em lentos grunhidos e passos que são ouvidos bem próximo, mas de um lugar desconhecido. A recepção que temos na vila não é nada calorosa, mas não quer dizer que isso é ruim. O frio é nauseante. E é na sua ambientação que o jogo brilha: os belos gráficos retratam com uma fidelidade impressionante a paisagem de uma vila desconhecida e macabra da Europa, o mato alto, as construções de madeira e o palácio no qual adentramos posteriormente, tudo é feito com primor.
Ao fugir das primeiras ameaças e se familiarizar com os moradores e monstros que circundam a vila, são apresentados os quatro vilões com os quais o jogador tem que se preocupar: Lady Dimitrescu, uma formosa e alta mulher que sobrevive degustando o sangue de homens; Heisenberg, um homem barbudo e que manipula ferro a partir de suas propriedades magnéticas; Donna Beneviento, uma mulher vestida de negro que manipula uma boneca demoníaca chamada Angie; e um homem peixe bobão chamado Moreau, todos esses servindo as ordens de uma mesma pessoa, uma mulher chamada Mãe Miranda, com ares de bruxa e asas enormes e vastas penas.
Ao introduzir esses personagens bizarros, o game também apresenta quais tipos de desafios o jogador irá encontrar, relegando a cada um desses chefões um tipo de gameplay que marcou a história da franquia e que, por isso, consagra Village como um Greatest Hits de Resident Evil.
Com Dimitrescu, o jogador se depara com o ambiente belo, clássico e aterrorizante de uma mansão cheia de portas ocultas, corredores sem fim e becos sem saída, além da ameaça constante da perseguidora que está ao encalço do jogador para beber seu sangue. Com Beneviento, Resident Evil se aventura no chamado terror psicológico e traz um dos melhores segmentos, ou set pieces — pedaços montados de gameplay que, nesse contexto, retrata uma etapa ou fase específica do game — já feitos na franquia, não apenas pela coragem de tentar fazer um terror simbólico e sutil, mas por fazer isso sem medo de errar, trazendo momentos que até mesmo na terceira ou quarta jogatina, aterrorizam o jogador.
Com Moreau e Heisenberg, é possível achar que a qualidade diminui, e com certa razão, mas não se pode deixar esquecer que apesar da auto referência com Moreau e a confusão com a fábrica de Heisenberg, esses momentos só ficam para trás porque os dois primeiros são de uma qualidade muito superior.
Enfrentando o peixe bobão, o jogador é arremessado de volta para a famosa “fase do peixe” do Resident Evil 4, um dos jogos mais famosos de PlayStation 2 e, sem dúvida, jogado por muitos até hoje. Apesar da dinâmica de puzzle nessa etapa ser interessante, ela não se sustenta tão bem como o começo do jogo. É um momento a se passar que não é ruim o suficiente pra te fazer fechar o jogo, mas não é boa o suficiente para te fazer ter sonhos ou pesadelos.
A fase de Heisenberg talvez seja a mais divisória, nela o horror em foco é o industrial horror, onde os zumbis comuns são substituídos por zumbis com armadura de aço, propulsores a jato, hélices gigantes. Em conceito, o jogo se perde um pouco. Mas, a desculpa que pode ser dada é a de que Resident Evil, sempre em seus finais, perde a linha propositalmente e embarca em momentos toscos e meio loucos, o que de fato acontece no fim da sequencia de Heisenberg, mas que me reservarei o direito de ficar em silêncio e dizer apenas que é algo muito massa, muito surpreendente, e muito WTF?.
O jogo não arremessa o jogador de um chefão pro outro, ele te acalma, te faz respirar um pouco antes de ir pra próxima, e faz isso a partir de um sistema de lobby — um ponto central que leva a outros caminhos e serve de lugar seguro — popularizado com jogos como Dark Souls.
Deixando de lado as grandes sequências que são feitas em torno dos chefões, Village traz também momentos à parte. O jogo não arremessa o jogador de um chefão pro outro, ele te acalma, te faz respirar um pouco antes de ir pra próxima, e faz isso a partir de um sistema de lobby — um ponto central que leva a outros caminhos e serve de lugar seguro — popularizado com jogos como Dark Souls. Cansado depois dos sustos na casa da Beneviento? Porque não dar um rolê pela vila e descobrir alguns segredos que podem se transformar em dinheiro dentro do jogo, para comprar armas e melhorá-las?! Foi um imenso acerto!
A sensação ao terminar o jogo e concluir a história de Ethan é a de ter sido guiado por uma narrativa bem articulada e envolvente, a partir de uma gameplay balanceada que se reconecta com jogos anteriores da franquia: o castelo Dimitrescu relembra o RE1, a vila e os puzzles com Moreau lembra o RE4 e consegue, sem precisar reinventar a roda e conversando com símbolos presentes em seus jogos, passar uma experiência que é nova, fresca, e que consegue isso não apenas “porque é boa”, mas porque compreende como se joga horror na atualidade e chega a lugares que uma direção com medo não chegaria. Village é, a cima de tudo, um jogo sem medo. No caso, quem fica com medo somos nós.
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