O meu boi morreu
O que será de mim
Mande buscar outro, oh maninha
Lá no Piauí
Cantiga Popular
O Piauí brinca de Bumba meu boi há mais de 200 anos. Se fossemos seguir os rastros dessa tradição, voltaríamos ao Período Colonial. A economia da época girava em torno da criação de gado e tinha uma importância tão grande que fez com que a colonização do estado ocorresse de dentro para fora, ou seja, do interior para o litoral, ao contrário do que aconteceu com o restante do Nordeste.
Patrimônio Cultural
Em 2012, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) considerou o Bumba meu boi como Patrimônio Cultural do Brasil. Para ajudar na preservação da festa, o IPHAN sugeriu, lá atrás, que fosse incentivada a documentação e divulgação das festas, que fosse dado apoio aos grupos de boi e etc.
Em 2019, o Bumba meu boi passou a integrar a lista internacional de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO, junto da Arte Kusiwa – Pintura Corporal e Arte Gráfica Wajãpi (2003), o Samba de Roda no Recôncavo Baiano (2005), o Frevo: expressão artística do Carnaval de Recife (2012), o Círio de Nossa Senhora de Nazaré (2013) e a Roda de Capoeira (2014).
E, só para deixar a curiosidade: o dia 30 de junho é o Dia Nacional do Bumba meu boi.
O auto do boi
As apresentações, que podem transitar pela comédia, tragédia e sátira, contam com uma enorme participação do público. Apesar de em alguns “arraiais oficiais” terem palcos que distanciam os brincantes dos espectadores, o Bumba meu boi é focado na aproximação entre as pessoas. Mas de onde surgiu o Bumba meu boi? Qual a origem da brincadeira?
Um auto é um tipo de peça curta de teatro, no geral, com um único ato para não ter intervalos. É algo surgido na Europa da Idade Média com elementos religiosos e profanos em uma mesma história. Além disso, eram encenados tanto em igrejas quanto em praças, feiras e mercados.
No Bumba meu boi, a história que contam é a de Catirina e de pai Francisco – ou Chico para os íntimos –, que trabalhavam nas terras de um fazendeiro rico. Esse patrão tinha um xodó danado com um de seus bois, o animal era premiado e era proibido a qualquer um mexer com ele.
Acontece que um dia, no meio da gravidez, Catirina sentiu vontade de comer língua, mas não de um animal qualquer, ela queria a língua do boi mais querido do dono da fazenda porque, caso contrário, a criança nasceria com cara de língua. Sem ter o que fazer, Chico foi lá matar o bicho, cortou a língua e trouxe para a esposa comer.
Há versões em que, para amenizar o castigo que com toda certeza viria, Chico resolve fazer um churrasco com o boi e dividir com todo mundo da fazenda. A partir daí, cada um teria um “pezinho” de culpa na morte do animal preferido do patrão. Mas isso não dá muito certo no fim das contas.
Em outras versões, Chico e Catirina simplesmente fogem. Quando o patrão descobre, é um inferno na Terra, ele manda gente ir atrás do casal e, num vai e vem da história, os dois são capturados. Agora, para fugir da punição, eles inventam de trazer o boi de volta à vida, chamam alguém para ver se o boi ainda tinha salvação – que pode ser um curandeiro, um médico, um padre –, e, para a alegria geral, o boi premiado acaba ressuscitando.
É essa a história que se encena nas apresentações de Bumba meu boi, mas não é em todas que isso acontece e, às vezes, os detalhes mudam bastante, cada um acrescenta um ponto ou outro ao conto. Há versões em que o animal volta à vida com um puxão no rabo; em outras, assopram nas orelhas, no focinho, levantam o rabo e assopram também, tudo isso para o boi ficar de pé mais uma vez e dançar. O que importa é que depois é só festa.
Bumba meu boi: Começos, fins e recomeços
A morte e a ressurreição do boi são dois dos temas principais da brincadeira, num ciclo de fins e recomeços. As coisas podem voltar, mas elas mudaram para sempre. Catirina e Chico foram contra as ordens do patrão. O passado aparece em forma de tradição, no entanto, ele vem sempre marcado com o presente.
Realizar o Bumba meu boi é recomeçar¹, é como se o boi ressuscitasse para poder brincar por mais ano. É um ciclo de lutas e de resistência. “Todos os anos bois nascem e morrem”². Todos os anos – seja por questões pessoais, falta de recursos ou de incentivos por parte do poder público – grupos de boi se acabam, começam ou retornam.
Referências
¹ Tema e variantes do mito: sobre a morte e a ressurreição do boi. Artigo de Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti. (Pode ser lido aqui)
² Acabou-se a brincadeira? O Teatro do Boi e a estrela da gente boieira na mira do Lagoas do Norte. Texto de Lucas Coelho Pereira. (Pode ser lido aqui)
Imperador da Ilha: a prática folkcomunicacional no Bumba meu Boi do Piauí. Texto de Elaine de Moura Lima e Susana Silva, orientação de Cláudio Vasconcelos (Pode ser lido aqui)
Breve história e etnografia do grupo Novo Fazendinha: o São João Da Parnaíba (PI), seus artistas e bois rivais. Artigo de Weslley Fontenele Frota (Pode ser lido aqui)
IPHAN – Bumba-meu-boi do Maranhão é o mais novo patrimônio cultural brasileiro. (Pode ser lido aqui)
IPHAN – Bumba meu boi do Maranhão é Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. (Pode ser lido aqui)
Os grupos de Bumba meu boi em 2021, uma tradição viva (Pode ser lido aqui)