Resenha da obra “Detetive Darkfield” de John Nunes (2021)

Em destaque está um tablet com a capa da HQ Detetive Darkfield. Ao fundo há uma montagem com várias páginas do quadrinho. Na capa, predomina a cor roxa e mostra o personagem Darkfield, um homem branco de cabelo preto bagunçado, veste um terno.

Revisão: Joana Tainá

Aviso de gatilho: violência contra a mulher, saúde mental

 

O ano é 1951 e James Darkfield caminha pelas ruas de uma Teresina inspirada no estilo pulp e noir do começo do século XX. Autointitulado detetive sobrenatural, ele investiga uma série de assassinatos e desaparecimentos que envolvem figuras bem conhecidas do folclore piauiense.

A HQ em suas 102 páginas usa da fantasia urbana para abordar vários temas importantes. A violência contra a mulher presente em lendas como a do Cabeça de cuia é um desses assuntos puxados para debate e mostra como as lendas contam bastante sobre a sociedade onde circulam, tanto no passado quanto no presente.

“Outros temas discutidos na HQ são a orientação sexual (Darkfield sendo homossexual), a importância da saúde mental e a marginalização do diferente na sociedade. A arte é importante neste quesito, pois é ela quem abre as portas para uma discussão acerca destes temas, que muitos ainda consideram tabu. A arte mexe com o diferente, sem medo de sair dos padrões.” (Trecho da entrevista dada por John Nunes ao Geleia Total)

Além dos três casos investigados pelo detetive Darkfield, pode-se dizer que um quarto mistério permeia toda a trama da HQ. Essa foi uma das coisas mais interessantes de se acompanhar, enquanto o personagem trabalhava para encontrar os responsáveis pelos desaparecimentos e assassinatos, nós (leitores) íamos montando as peças sobre quem era James Darkfield. O transtorno mental, a discriminação sofrida por conta disso, um possível complexo de vira-lata e as implicações na identidade dele, como, por exemplo, a mosca nos vários nomes errados que os outros personagens o chamam, levantam a possibilidade de existirem ainda mais camadas na história, o que leva à questão: ele seria “louco” de verdade ou essa seria apenas a forma como os outros o enxergavam.

Porca do dente de ouro, Num se pode e Cabeça de cuia

Apesar de a resolução dos casos ser rápida, a HQ traz alguns cenários da cidade de Teresina, como a igreja de São Benedito, e traz as três lendas que são quase a “trindade” do folclore teresinense, com um ou outro pequeno acréscimo aos relatos clássicos.

Num-se-pode: a assombração de uma mulher que anda pelas proximidades da Praça Saraiva pedindo um cigarro, e quando consegue cresce tanto que é capaz de acender o fumo nos lampiões que serviam de iluminação pública antes da energia elétrica. As pessoas saiam correndo enquanto ela repetia “Num se pode, num se pode”.

Cabeça de cuia: o pescador que atacou a mãe com um osso de boi e foi amaldiçoado a se transformar em um monstro com a cabeça desproporcional. A maldição só seria quebrada após ele matar sete Marias virgens.

Porca do dente de ouro: a moça desobediente que mordeu o rosto da mãe, arrancando um pedaço da bochecha. A maldição que caiu sobre ela foi a de virar uma enorme porca com uma presa de ouro.

[Este parágrafo pode conter spoilers] O acréscimo que mais chamou a atenção foi o da lenda da Porca do Dente de Ouro. Como um dos objetivos da HQ é trazer à debate a representação feminina no folclore piauiense e a violência que sofrem dentro das lendas, a história da Porca causou um pouco de estranheza uma vez que a personagem se resume a uma mulher ciumenta, que mata outras mulheres, porque quer a atenção de um homem que não a ama. Esta é basicamente a motivação dela… e acaba resultando na desobediência da filha para com a mãe, na mordida na bochecha, na maldição de virar um “monstro” e nos primeiros assassinatos a serem investigados pelo detetive.

Autor e obra

John Nunes é natural de Teresina, Piauí, tendo morado em sua cidade natal a vida toda. Entrou em contato com os quadrinhos desde pequeno e, por hobby, costumava desenhá-los. Em 2009, começou sua experiência com arte digital e em 2016, decidiu cursar Artes Visuais pela UFPI. Hoje, John Nunes é um artista independente que pretende levar adiante sua carreira acadêmica relacionada à arte e à cultura pop.

Sua primeira publicação – Detetive Darkfield – começou como uma ideia remota, que em seguida ganhou a forma de pré-projeto para o TCC. John finalizou a história em quadrinho em maio de 2020, e a publicou no final de janeiro de 2021, a tempo da apresentação do TCC.

“Para a criação do personagem, me inspirei em três personagens icônicos dos quadrinhos: John Constantine, surgido primeiramente nas HQs do Monstro do Pântano, que é um investigador do sobrenatural que ganhou visibilidade com a HQ Hellblazer; Cavaleiro da Lua (Marc Spector), um herói da Marvel que é considerado “louco” por se comunicar com um deus egípcio; Dylan Dog, outro detetive sobrenatural, não muito famoso quanto os outros dois personagens já citados, mas muito importante para a cultura pop. Sobre o tema, me inspirei nos filmes noir que, além das óperas de ficção científica, é meu gênero preferido da cultura pop. Quis trazer esse universo para nossa cidade e cultura.

Penso em trazer Darkfield de volta, talvez na década de 80, com um teor vaporwave e estilo Miami Vice, mas ainda está amadurecendo a ideia.” (Trecho da entrevista dada por John Nunes ao Geleia Total)

Link para baixar a HQ: Editora Marca de Fantasia

 

Referências:

HQ Detetive Darkfield – John Nunes (1ª edição, 2021)

Num se pode (Geleia Total)

Porca do dente de ouro (Geleia Total)

Cabeça de cuia (Geleia Total)

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