REFLEXÕES SOBRE O SUICÍDIO (INCLUSIVE DO EX-PREFEITO FIRMINO FILHO)
Teresina, 12 de abril de 2021
Há quase uma década, um movimento voltado para ações de prevenção do suicídio se iniciou em Teresina. Sem querer estabelecer que nada antes houvera sido feito nesse sentido, creio que tomou vulto após uma palestra que fiz no Centro Pastoral Paulo VI, a pedido do Padre Tony Batista, onde o então prefeito Firmino Filho estava na plateia. Após a minha fala, Firmino pediu a palavra e disse que, a partir dali, diante dos dados que apresentei, a prefeitura teria uma postura mais pró-ativa na causa da prevenção do suicídio. Logo em seguida, houve uma reunião, também no Paulo VI, em que estiveram presentes, além de mim, representantes da ASA (Ação Social Arquidiocesana), o Dr. Samuel Rêgo (coordenador de Saúde Mental da Prefeitura, à época), entre outros. Meses depois, fui informado da criação do PROVIDA (ambulatório destinado a tratar, exclusivamente e de portas abertas, pessoas em crise suicida) e chamado para participar de um evento do Setembro Amarelo daquele ano, no auditório da FIEPI (Federação das Indústrias do Estado do Piauí), para divulgar o marco inicial do PROVIDA, que considero uma das melhores ideias e iniciativas para a prevenção do suicídio no Brasil. Além disso, também através da prefeitura, fui contratado para dar uma capacitação para todos os profissionais dos CAPS de Teresina acerca deste tema.
Bom, fiz esse breve resgate histórico para dizer a vocês que tudo que envolve o fenômeno, tudo que envolve o comportamento suicida, é extremamente complexo. O homem que ajudou a criar várias ações voltadas para a prevenção do suicídio, ele mesmo, oito anos depois, tira a própria vida. Fico pensando, depois de ler isto, o que os “especuladores de plantão” diriam? Aliás, além do que já andam dizendo. Como pode? Deve ter sido isso, ou aquilo, ou aquilo outro… Talvez até “será que essa preocupação do ex-prefeito já não era sinal de que ele pensava em tirar a própria vida?”.
Agora, permitam-me falar, da forma mais breve que consiga, sobre algumas impressões do comportamento suicida (isso envolve um PROCESSO que vai desde os pensamentos até a tentativa em si), com o lastro de quem estuda e pesquisa este tema há quinze anos, com mestrado e doutorado na área, além de atender como psicoterapeuta muitas pessoas nessa situação. Aqui, falo de forma geral, sem qualquer alusão direta a um ou outro caso particular.
O suicídio é a expressão máxima do desespero humano. Vocês já pararam para pensar o que significa o termo “expressão”? Ex-pressão é algo que, anteriormente, era PRESSÃO. Assim como um ex-funcionário, por exemplo, era, anteriormente, um funcionário. Que tipo de pressões podem acontecer em certos momentos das nossas vidas? Pressão interna, da família, da sociedade, da mídia, de falta de recursos financeiros, entre outras. Mas, para não deixar a pessoa em condição exclusiva de vítima dos fatores externos, em absoluto, o indivíduo com suas vulnerabilidades se deixa pressionar por não ter recursos internos para lidar com essas situações naquele momento. Afinal, todos sofremos pressões, mas, felizmente, a maioria de nós não recorre a comportamentos autodestrutivos diante disso.
Nesse sentido, ao longo de um processo que podemos analisar utilizando a metáfora do “túnel do sofrimento”, um dia, a pessoa entra no túnel ao se deparar com adversidades, problemas de qualquer ordem e que já considera ter alguma gravidade; ao entrar, a morte pode começar a aparecer apenas como uma possibilidade; se o indivíduo continua adentrando no túnel (não pede ajuda ou, às vezes, pede e não consegue), pode começar a pensar na própria morte (chamamos essa etapa de “Ideação Suicida”), não mais apenas na morte de uma forma mais abstrata como na etapa anterior; na sequência do túnel, deve vir o planejamento da própria morte (boa parte dos suicídios tem algum nível de planejamento, local, forma, etc.), quando o risco aumenta; em não acontecendo nada em termos de tratamentos preventivos, especialmente envolvendo profissionais de saúde mental (de novo, ou porque a pessoa silenciou e não pediu ajuda ou porque sinalizou, mas não obteve ajuda, afinal, “cada caso é um caso”, e isso depende das respectivas circunstâncias). Ressalto, entretanto, que nem sempre os possíveis sinais emitidos são claros, decodificáveis. Adiante, o túnel em cujo fim outrora havia uma luz, fecha-se, a luz se apaga, o indivíduo tenta tirar a própria vida e, infelizmente, às vezes, consegue.
Propositadamente, coloquei a palavra PROCESSO em letras maiúsculas, para escancarar que um caso de suicídio não acontece “do nada” ou “por uma única causa”. Não há evidências científicas ao redor do mundo que dê validade a essa ideia. Portanto, destaco que as duas palavras mais importantes a serem compreendidas acerca deste tema são: COMPLEXO E MULTIDETERMINADO. E, para algo complexo, não podemos dar explicações simplistas, tentar estabelecer “causa e efeito”, como “aconteceu isso por causa daquilo”. Papo furado, de senso comum. Alguém tira a própria vida em função de uma complexa interação de diversos fatores (genéticos, psicológicos, psiquiátricos, culturais, sociais, econômico-financeiros, religiosos, entre outros). Não que todos esses fatores precisem convergir em um único caso, mas também não seria apenas um deles que levaria alguém em direção à própria morte, disto não tenho dúvidas.
Consigo entender que seria melhor arrumarmos uma causa para algo tão trágico, tão grave, daríamos uma concretude ao fato. Porém, sinto dizer que, se tentarem, estarão apenas perdendo tempo e, ainda pior, quando tornamos públicas as nossas especulações, aumentamos o sofrimento atroz dos familiares e amigos de quem já partiu.
Recentemente, deduzi também que “o suicídio é o esvaziamento das possibilidades”. Isso significa que, durante o percurso de sofrimento no “túnel”, as possibilidades de resolver os problemas, de suportar a dor e continuar vivo vão sendo, gradativamente, eliminadas. No fim do “túnel”, a única possibilidade enxergada pela pessoa em sofrimento grave é a morte. Claro, as pessoas que olhassem de fora poderiam ver uma série de soluções, de alternativas, de possibilidades para resolver aquela situação. Mas o mesmo não ocorre para quem ora padece daquela dor insuportável e intolerável. Por esse motivo, ouvimos sempre colocações como “se fosse eu faria isso, faria aquilo, aquilo outro…”. Todavia, esquecemos que não somos o outro, jamais seremos o outro. Mal somos, quando somos, nós mesmos!
Meus caros piauienses, de forma especial, meus caros teresinenses, o Firmino já partiu, infelizmente. Enquanto esteve aqui, deu sua valorosa contribuição na condução da prefeitura de Teresina (falo sem ter qualquer intenção de politizar a minha fala). Digo isso a vocês como ser humano e como técnico. Ele formou uma família, fez amizades, teve seus acertos e seus erros, como qualquer um de nós, ou seja, passou por este mundo efêmero.
Peço, de todo o coração, que deixemos as especulações, os boatos, principalmente, através das redes sociais. Vamos nos aquietar e cuidar das nossas vidas, cuidar do outro numa perspectiva de juntarmos forças para superar esse momento tão difícil de pandemia. Quem somos nós para levantar a espada do julgador? Ou para entender o que parece ser incompreensível? Sim, temos a plena liberdade de pensarmos e conjecturarmos sobre o que quisermos. Mas me permitam encerrar com o seguinte apelo: se o que formos falar servir para ajudar a nós mesmos e/ou o outro, que seja em alta voz; se não, tiremos o som dos microfones para não piorar o que já não está bom.
Vida que segue.
Abraços,
Carlos Henrique de Aragão Neto
Psicólogo e Psicoterapeuta. Membro associado da ABEPS (Associação Brasileira para Estudos e Prevenção do Suicídio) e da IASP (International Association for Suicide Prevention).
Excelente texto respaldado em ciência e informação