Escrever é revolucionário, por Ayra Dias

Arte: Zayze Medeiros

O dom da escrita é cercado de uma rede de privilégios que destina a poucos tal honraria. Segundo dados do IBGE, o Brasil tem cerca de 11milhões de analfabetos. O país, que segue guiado por uma onda neoconservadora que esbraveja aos quatro ventos que somos todos iguais, se esquece propositalmente do preocupante número de pessoas que não sabem ler nem escrever.
Os dados confrontam o dito popular que afirma que escrever bem é um dom, não questiono aqui a capacidade artística e as mentes brilhantes que temos, porém, vale frisar que muitas outras são negligenciadas e têm sequer a oportunidade de aprimorar suas potencialidades de escrita.
A falta de investimento em educação é histórica, sistematizada e frequentemente usada como ferramenta de opressão, resultando no apagamento e silenciamento de vozes pertencentes às minorias como negros, indígenas, travestis, transexuais, pessoas com deficiência, que, mesmo nos casos em que conseguem adentrar os espaços acadêmicos, não recebem o devido reconhecimento, resultando em um processo conhecido como epistemicidio, que insiste em construir uma narrativa que busca invalidar todo conhecimento não advindo da branquitude.
Então, como seria a escrita revolucionária diante de tanta desigualdade? Citando Conceição Evaristo, digo que “Eles combinaram de nos matar e nós combinamos de não morrer!” Usamos das pequenas frestas da estrutura cis-hetero-branco-capitalista para resistir.
Foram assim que fizeram Esperança Garcia, Carolina Maria de Jesus e Lélia Gonzalez, três mulheres pretas que contrariaram este sistema e escreveram.
Esperança Garcia é considerada a primeira advogada do estado do Piauí, foi uma mulher preta, mãe, escravizada, que mandou uma carta para o Governador da Capitania do Piauí, no dia 06 de Setembro de 1770, denunciando as situações de violência a qual era submetida.
Carolina Maria de Jesus, mulher preta, escritora, poetisa, mãe, ficou conhecida após a publicação do livro Quarto de Despejo: Diário de uma favelada , que consegue falar muito bem sobre a realidade de mulheres pretas no Brasil. Carolina trabalhava como catadora de papel e foi desacreditada por isso, pois ouviu muitas vezes que ela não seria capaz de escrever um livro, mas, não só escreveu, como ele foi publicado em 14 línguas.
Lélia Gonzalez, assim como Carolina, é uma das mais importantes intelectuais da história do Brasil, mulher preta que conseguiu contrariar a lógica racista e chegou à universidade local onde fez duras críticas à branquitude. Em um de seus textos intitulado Racismo e Sexismo na cultura brasileira, a estudiosa discute cirurgicamente aquilo que apresento aqui, a história que conhecemos não foi escrita por quem a viveu, mas por quem olhou das janelas de seus gabinetes. A nossa escrita é revolucionária, pois ela confronta a lógica de uma sociedade que se estrutura para nos matar.
A realidade de travestis e transexuais não é muito diferente. Ainda parafraseando Lélia, durante tempos, ELES fizeram estudos sobre nós e ainda esperam certa gratidão pelos seus olhares e escrita estereotipados e sem nenhum compromisso. Usamos historicamente a escrita como ferramenta de enfrentamento, compreendendo toda a estrutura a qual estamos submetidos. Nós não vamos morrer, vamos resistir. Dados recentes da ANTRA apontam que 70% da população de travestis e transexuais não concluiu o ensino médio e apenas 0,2% encontram-se no nível superior. Mesmo com um número pequeno dentro da academia, somos grandes incendiárias intelectuais, pois mesmo aquelas que estão fora usam também da escrita para atear fogo na ciência falaciosa e medíocre na qual covardes que não conseguem abrir mão dos seus privilégios se apoiam para nos matar.
SEGUIREMOS REVOLUCIONANDO!
NÃO VAMOS MORRER!
FOGO NOS RACISTAS!
FOGO NOS TRANSFÓBICOS!

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