Existem muitas mulheres que nunca serão lembradas por ninguém para nada. Que não terão seus nomes em histórias, poemas, contos e que jamais serão vistas como alumbramento ou lampejo artístico para qualquer obra de arte. Nesse ponto, ser lembrada não se infere como crucial e importante, antes tivessem tido a oportunidade de serem melhores para si mesmas e uma existência digna e de qualidade. Não, eu não falo das ditas mulheres “guerreiras” que são respectivamente donas de casa, profissionais, mães, estudantes e outras mil coisas que cabem em uma mulher: a mulher cansada. Essa eu também amo, respeito e darei espaço, mas hoje eu me refiro às mulheres esquecidas e donas de nada.
Existem mulheres tão mudas e silenciadas pela dureza do mundo, que tudo que elas podem ser é uma mera mulher atropelada ao sair da cartomante. Uma Macabéa com o gosto de uma existência azeda na boca. Um nome, uma casa, uma calçada, uma cama, um gole de café, um prato de plástico com comida requentada e apenas mais um olhar perdido jogado nesse espaço que tem tanto e tanto e nada.
O que eu faço com a minha trajetória de crescimento moral e social com tantas mulheres que não conseguiram ser “nada”? Me amassa esse contexto de glória tão injusto e discrepante. Me fere a desigualdade alarmante que mata e deixa viva tanta gente. É preciso enxergar com olhos humanos as mulheres que ninguém vê.
Nos dias que me visto da mulher artista que sou, preciso lidar com o incongruente questionamento do por que fazer a minha arte. O porquê das minhas ilustrações, dos meus poemas, dos meus textos. Qual o sentido de recortar com cuidado o papel ou de escolher as palavras certas se tudo isso é inimaginável na cabeça da Silvana que sequer sabe que existe arte? A invisibilidade da Silvana me atinge como uma bala perdida. A Silvana só é Silvana porque tiveram que dar algum nome pra ela. Isso não te incomoda?
Isso me dá raiva. Me atropela e atropela a minha forma de ser artista porque isso chega a mim e chega para você e chega para tantos outros e mesmo assim pessoas como a Silvana continuam sendo o que são. É por isso que a minha arte não me completa e é por isso que sou tão inconstante no meu jeito de ser artista. É que não adianta um poema de amor, nem um soneto de alegria, uma crônica sobre a praia, ou uma ilustração com os melhores recortes se a Silvana não estiver refletida em alguma parte disso. Enquanto eu não retratar a existência asfixiada da Silvana, a minha arte também será invisível para mim.
Silvana tem 42 anos. Não sabe ler, não gosta de música, não tem amigos porque não sai de casa, e no último fim de semana Silvana foi enganada no jogo do bicho com cédulas de dinheiro falso. Uma falsificação fajuta e fácil de ser identificada. Além do mais, outro dia, Silvana bateu a minha porta e me perguntou qual a quantia exata que ela arrecadara: quatro notas, uma de 2,00, uma de 20,00, outra de 5,00 e a última de 10. Silvana não tem mãe, não tem pai, mas tem filho adulto que mora do outro lado da cidade e um companheiro que também vive ausente da sua existência amarga. Silvana não come bem, não trabalha, não tem uma calça, um batom, um celular e nem uma sandália. Mas o mínimo que tem a faz estrela em seu mundo: um lírio gracioso.
Silvana tem uma irmã, mas sobre a invisibilidade de Sílvia eu escrevo na próxima parte.
Para que serve a sua arte?
Por: Marcileia Ribeiro