Precisamos de políticas públicas para o Piauí, não para o Havaí, por Noé Filho

As paisagens paradisíacas. Sol dourado. Praias deslumbrantes. Talvez essas similaridades com o Havaí façam com que os gestores públicos do Piauí façam políticas públicas pensando mais no Havaí do que no Piauí.

O PIB do Havaí, consideravelmente maior que o do Piauí, gira em torno do setor turístico e cultural. Apesar da invasão estadunidense, são as manifestações culturais únicas dos povos nativos do arquipélago, além da natureza incrível, que atraem turistas de todo o mundo, e, por isso, existe um grande investimento no setor cultural, tanto público quanto privado.

A nossa realidade é bem diferente. Historicamente, o investimento no setor cultural é ínfimo, seja pelos governos federal, estadual e municipal, seja da iniciativa privada. Reflexo disso é um mercado cultural que ainda tem um longo caminho para se profissionalizar, amadurecer, crescer. E, para isso, são necessárias políticas públicas consistentes e um mercado consumidor local que acredite e se engaje consumindo a arte produzida pelos artistas piauienses.

Talvez seja um consenso que o setor cultural piauiense precisa se capacitar mais para participar de editais nacionais e locais, para captar mais recursos de empresas, para atrair um público maior para suas produções. E acredito que os agentes da cultura piauiense tenham consciência disso.

No entanto, quando um órgão de cultura lança uma política pública, tem que considerar o seu público-alvo. E mais: tem uma enorme responsabilidade em garantir que as ações e as verbas sejam democráticas e alcancem o maior número possível de fazedores de cultura. Se as ações beneficiam apenas grupos específicos, tem algo muito errado.

Por exemplo, ao se lançar um edital, não basta lançar e pronto. “Ah, gente, olha aqui o edital, se virem aí pra inscrever.” Por um lado, concordo que nós, produtores culturais, agentes da cultura, temos que correr atrás pra aprender, nos capacitar e inscrever projetos de qualidade e conseguir atender aos requisitos dos editais. Por outro lado, como já disse, os órgãos de cultura têm que considerar as características do seu público-alvo. Se a maioria do setor cultural tem dificuldade em se inscrever, compreender os editais, é preciso dispor de iniciativas que minimizem esses problemas.

Da mesma forma que é responsabilidade dos agentes de cultura se capacitarem, também é responsabilidade dos órgãos de cultura proporcionarem oportunidades de capacitação, além de se preocupar constantemente com a comunicação dessas iniciativas, para que todo o público-alvo saiba que essas iniciativas estão acontecendo, e também comunicação no sentido de explicar, deixar o mais didático possível todo o processo.

O que a gente percebe é que os editais, por exemplo, são lançados e muita gente deixa de se inscrever por não saber nem que o edital existe, ou por não ter as habilidades ou experiências necessárias para se inscrever. E, para resolver isso, a gente vai se ajudando, mandando mensagem para quem já tem experiência para ter alguma luz. E aparecem pessoas que se disponibilizam a ajudar, mesmo sem ter nenhuma obrigação em relação a isso, pelo interesse em contribuir.

O Ramon Patrese, por exemplo, que é Diretor do Grupo Cultural Junino Luar do São João (quadrilha junina campeã do Festival Globo Nordeste 2019), professor de Direito Administrativo e Legislação, Auditor de Controle Externo TCE-PI e Mestrando em Ciência Política, tomou a iniciativa de gravar vídeos tutoriais para auxiliar os artistas na inscrição dos projetos da Lei Aldir Blanc, editais Teresina/FMC e Piauí/SECULT, mesmo sem ter nenhuma responsabilidade em relação a isso e sem estar ganhando um tostão. Uma excelente iniciativa simples, custo mínimo, que todo órgão de cultura poderia lançar mão ao publicar qualquer edital.

Edital Maria da Inglaterra (Informações Gerais)

https://youtu.be/trRLSAgVatU

Edital Maria da Inglaterra SECULT/PI

Categoria A Pessoas Físicas (individuais e grupos sem cnpj)

https://youtu.be/AWVKN7S5JuQ

Edital Maria da Inglaterra SECULT/PI

Categoria B e C Pessoas Jurídicas (iniciativas e ocupação)

https://youtu.be/deKep65gUMY

Edital FMC/PMT

Linha 2 Subsídio Espaços Culturais Pessoas Jurídicas

https://youtu.be/EaqQZQTdsoE

Edital FMC/PMT

Linha 3 Propostas Culturais Coletivas Pessoas Físicas

https://youtu.be/l9rENTs8kQA

Outras inciativas relacionadas a editais que já vi sendo realizadas em editais de outras regiões e que acho fundamentais: disponibilizar um e-mail e um telefone específicos para tirar dúvidas sobre o edital; oferecer oficinas de capacitação específicas para inscrição no edital; lista de perguntas frequentes com as devidas respostas; disponibilizar os anexos em arquivos separados para preenchimento; disponibilizar modelos das declarações exigidas. Enfim, se é possível facilitar a vida de quem vai se inscrever, muitas vezes sem tanto custo adicional, por que não o fazer?

Outro ponto pertinente é o próprio método de inscrição. A exigência de fazer inscrição fisicamente, como é o caso do edital da Aldir Blanc, da FMC, demanda custo de impressão de uma série de documentos, além de implicar num risco de contaminação pela COVID-19, já que todo mundo que for se inscrever vai ter de sair de casa. No caso do SIEC, é demandado até envio pelos correios, mais um custo para quem vai se inscrever. Por outro lado, a inscrição exclusivamente digital pode afastar quem não tem facilidade com computadores. Acredito que para ser democrático, o ideal deva possibilitar as duas formas de inscrição e sempre pensar em como facilitar a inscrição de quem tenha dificuldade. Exemplo, no caso de inscrições 100% digitais, disponibilizar um funcionário para auxiliar a inscrição dessas pessoas.

Foquei nos exemplos sobre editais, porque sinto que é uma dificuldade geral, mas acredito que essas reflexões valem para toda e qualquer política pública para a cultura. Precisamos ter políticas públicas pensadas e adaptadas de acordo com as características atuais no nosso setor cultural e de quem o constrói. É responsabilidade dos órgãos de cultura se preocupar continuamente com isso, é pra isso que existem: para fomentar, estimular, acelerar o processo de amadurecimento desse setor e garantir que os artistas e fazedores de cultura do Piauí possam se profissionalizar, conquistar mais espaços e gerar resultados e oportunidades que, no final das contas, irá beneficiar toda a população piauiense. ALOHA!

Por Noé Filho.

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