Descansa Militante, por Ayra Dias.

Modelo: Flores Astrais

Suponho que todos aqueles que têm o mínimo de contato com internet nos dias atuais já tenham escutado a frase “Descansa militante!”, que vem acompanhada é claro do apontamento de que denúncias sobretudo de ataques transfóbicos são mimimi.

Pelo menos uma vez a cada três dias eu ouço alguém dizer que devo descansar, deixar a militância de lado, relevar e quem sabe até mesmo ser didática com aqueles que me agridem e que historicamente matam as minhas. É interessante frisar que esse ataque vem de todos os lados, mesmo daqueles que se apresentam como a-li-a-dos, pois como aponta Sueli Carneiro: entre a direita e a esquerda o nosso corpo é o alvo.

Costumo dizer que só consegue descansar aquele que não é o alvo da violência. Nestes pouco mais de 20 dias do mês de agosto, quatro travestis foram assassinadas no estado do Ceará, uma delas tinha apenas 15 anos; esta semana viralizou um vídeo de Alice Felis, uma mulher trans que foi roubada e agredida dentro de casa.

A expectativa de vida de pessoas trans nesta grande pátria desimportante que sempre matou e continua matando travestis, transexuais e transgêneros é de apenas 35 anos, enquanto para o restante da população a média é de 75.

Mesmo sofrendo todos os dias com a violência, tendo espaço no mercado de trabalho negado e vendo as minhas morrendo, me pedem para descansar. Eu até queria, mas não me dão sossego. Urias, em uma de suas músicas, canta: Eu mereço deixar de sentir raiva e esse também é o meu sentimento, eu mereço.

No entanto, tenho adotado aquilo que chamo de Pedagogia da Navalha e Molotov. Vale salientar, no entanto, que essa é reflexo das muitas violências que sou obrigada a passar, e ainda assim tenho que escutar frases como: “Ayra, tenho que sempre pisar em ovos pra falar com você para não ser cancelada”.

A cisgeneridade nos chama de seres esquisitos que querem a todo custo cancelar tudo e todos, mas na verdade estamos gritando, navalhando e jogando molotov, para fazer essas denúncias e sobreviver. Tais ações, no meu caso, acontecem através do uso do espaço privilegiado do qual tenho acesso a partir do Geleia Total, mas enquanto escrevia esta coluna, eu e as minhas sofremos ataques transfóbicos, literalmente.

Mesmo com os acessos que tenho, oriundos do trabalho duro que venho desenvolvendo, a violência não é amenizada, sofro igualmente. Tenho 24 anos, já participei de eventos com repercussão internacional, publicação de poesias na antologia “Pele”, sou estudante de serviço social, fui aprovada para o curso de Jornalismo na Universidade Estadual do Piauí, mas para muitos sou apenas a Travesti que é alvo de violência e que ainda deve se calar.

A história das minhas é uma história de luta, de garra, de enfrentamento, portanto, digo para aqueles que ousam pedir para que eu descanse, que gostaria, mas, enquanto não me permitirem, eu continuarei gritando, denunciando, sendo amarga e dura e quem quiser doçura que produza sua rapadura em casa. Parafraseando Bethânia eu sou como a haste fina que que qualquer vento verga e nenhuma espada corta.

Soraya Oliveira, presente!

Leticia Costa, presente!

Kelly Danielly, presente!

Há também aquelas que agora não posso mencionar pois não puderam ser identificadas e que aguardam o resultado do exame de D.N.A mas que que não serão esquecidas.

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