ENIGMAGONIA, por Conceição Neri.

Foto: Arnaldo Albuquerque

Por extensão, o termo “bibelô” alude a objeto fútil ou de pouco valor. Porém, o apelido Bibelô assume uma outra definição e uma outra dimensão. A pessoa retratada fazia jus perfeitamente ao título: colorida, extravagante e cheia de vida. Vida vivida com originalidade e desprovida de maldade. Ainda assim, cerceada na sua dignidade, talvez devido ao preconceito de alguns olhos aquilinos que o rondavam.

Bibelô circulava livremente pelas ruas de Teresina, principalmente pelas ruas do Bairro Vila Operária. E frequentava algumas casas, pois somente em poucas era acolhido. Uma delas era a casa de meu pai, Sr. Lourival Máximo de Alencar. Um dia por semana, o estranho visitante chegava e se abancava, e logo pedia uma barra de sabão para lavar suas roupas e lingeries coloridas de tão encardidas (ou encardidas de tão coloridas) e brilhantes. Depois, como num ritual, estendia uma a uma, no gradeado da frente da casa, altaneiro e, ao mesmo tempo, inocente feito uma criança. Muitos olhos e bocas o circundavam debalde, ele sequer percebia. E assim, o mal o perseguia, mas não o atingia. Ele simplesmente pairava absorto no seu próprio eu, sem se dar conta dos insultos alheios. Parava, olhava, mas nada dizia, apenas fazia um trejeito estranho, que de tão alto, chegava a assustar. Esse trejeito se repetia quando ele se sentia afrontado. Mas não revidava.  Aos meus olhos de menina, ele parecia viver num mundo só seu.

Após lavar tudo, até a própria honra, aviltada pelos passantes, ele sentava enfim para almoçar, sob os olhos bondosos e perscrutadores do seu anfitrião. Não sei dizer se sentia alguma gratidão,mas existia, ao menos, um átimo de comunhão. Meu pai não permitia que ninguém o insultasse, e sempre o recebia com um sorriso largo e leve. E aquele ser monossilábico, por vezes gutural, mal falava, pois ninguém o entendia, só vivia sua sina.

– Distúrbio mental? – Olhar inquiridor?- Barulho assustador? Perguntas vãs no vão das ruas tortas e do tempo roto. Bibelô caminhava, andarilho sempre, e só surpreendia aquela gente que jamais o compreenderia. – Mito ou lenda?- Moço garboso que enlouqueceu por ter sido abandonado na porta do altar? Ninguém ao certo saberá…

Ao passar pelas ruas, Bibelô era insultado, xingado, e até apedrejado, mas um anjo fosco o perseguia e estava sempre ao seu lado. A maldade do mundo não o atingiu, e assim viveu Bibelô, até o dia em que sumiu. – Doença?- Internação por loucura intensa? Foi parar na “Casa Verde” da Cidade Verde? Estranha canção.

Bibelô foi uma incógnita reluzente, um enigmagonia. Mas, mesmo assim, prosseguiu resplandecente. Sem origens certas, sem certidão, sempre a encher os olhos dos curiosos de plantão, assim viveu esse arco-íris humano, que de tão sublime, foi tido como insano.

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