Zona Norte, região banhada pelo rio, onde as pessoas convivem, conhecem e sentem o rio
Sabem qual o seu sabor, sua cor, sua essência
Sabem onde mergulhar e onde pescar
Zona Leste, região do fogo dos coronéis, fogo que expulsa, fogo das armas, fogo do ódio dos homens brancos
Na Zona Norte, há grandes terreiros, que se interligam ao rio, que dialogam com eles
Aprendi com minha irmã Maria Lucia que há magia na Zona Norte, há vida, alegria e gente
Conheci o Piauí no ano 2015 quando passei férias na casa de um amigo na cidade de Floriano no Sul do estado. Ainda no ônibus, uma moça chamada Joana que ia para cidade de Maracaçumé, localizada no estado do Maranhão, me disse que após atravessar uma longa ponte sobre o majestoso rio Parnaíba eu chegaria à capital Teresina.
Assim que cheguei em Floriano, os amigos logo me apresentaram o rio Parnaíba. O primeiro passeio da cidade tinha destino certo, o cais, lugar mágico onde as pessoas se encontram para beber e prosear; manter a saúde em dia através das caminhadas e que também que faz parte de toda a narrativa histórica daquela cidade, conforme pode ser lido na tese de mestrado de Irisneide Máximo.
No ano de 2016, após morar dois meses em Floriano, me mudei para Teresina, cheguei à cidade encantada, pois já sabia que a cidade tinha dois belos rios, Poty e o majestoso Parnaíba, que já conhecia, havia banhado e atravessado não só de ônibus sobre a ponte, mas também de canoa e quase a nado. Sonhava com o dia em que poderia me banhar nas águas dos rios de Teresina, pois sou fruto de uma família de pescadores e minha relação com o rio é intensa.
Mas logo me acostumei a ver os rios dessa cidade quente, assim como na primeira vez da janela de um ônibus e essa também é a visão de grande parte dos teresinenses, com exceção dos coronéis dessa cidade, que desfrutam da beleza das águas da bela Teresina Cristina através da varanda de seus apartamentos.
Os coronéis de Teresina não têm relação de proximidade com rio, estes gostam do fogo, usaram do glorioso elemento para expulsar o povo preto, pobre e trabalhador dessa cidade que se denomina verde, mas que tem como predominante o laranja do fogo do poder de alguns poucos homens brancos que hoje gozam dos privilégios conquistados pelos algozes do povo.
No entanto, há um lugar onde as pessoas possuem raízes firmes nessa terra, raízes que se alimentam das águas dos rios. Falo das pessoas da Zona Norte da cidade, que, ao contrário dos senhores da Zona Leste que adoram e usam o fogo para oprimir, usam a água do rio para resistir.
A branquitude coronelista pretensiosamente anseia pela conclusão do projeto Lagoas do Norte, que agora faz uso não do fogo materializado, mas do fogo comercial e estatal para expulsar mais uma vez o povo pobre e trabalhador de Teresina. Lagoas do Norte para quem? Esse é o grito que sempre ouvi ecoar através da voz de minha irmã de santo Maria Lucia, mulher preta, pobre, trabalhadora e que se agarra às forças dos rios para resistir.
O estado coronelista diz que o projeto visa proteger aqueles que sabem de cor todos os caminhos do rio, grita aos quatro ventos que deseja protegê-los da sua própria relação com o rio, chega a ser arrogante e soberba a ação destes senhores, que ousam adentrar e derrubar casas sagradas e que pisam no povo.
Logo grito assim como minha irmã: Lagoas do Norte pra quem? Se o interesse é proteger as pessoas que são as únicas que conhecem o jeito, o gosto, e até perfume do rio, por que estas são expulsas para os lugares cada vez mais afastados? Por que a Zona Norte não “melhorada” para as pessoas da Zona Norte?
Ouso responder a estas interrogações dizendo que os detentores do fogo, os já conhecidos coronéis, agora sabendo do valor comercial das terras protegidas pelo povo, tentam roubar-lhes o seu bem sagrado usando o fogo estatal, porém, o fogo vai ser apagado pelas águas do povo.
Sigo na certeza de que enquanto o rio existir haverá pessoas que bebem dele e o usam como ferramenta para fortalecer sua luta, e não mais perguntarão para quem deve ser a Zona Norte, mas gritarão: A Zona Norte pertence ao povo, aqueles que amam, conhecem e sentem o rio!