“enquanto isso falava aos seus rebentos
de nada valeria tanto esforço e sacrifício
de nada serviria todo sangue e agonia
seria pilhéria, seria nada…
enquanto isso rebentava o pudor
de ódio e de amor seu mais novo filho
solapava seu carma intentado pelo pai
cavava fundo e se cobria de ira e rancor
enquanto isso se esgueirava entre sombras
a moral e a urgência, sangrando no escuro
sob o muro de indecências de soslaio
como esquiva-se o esguio entre as frestas…”
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celebro o pútrido em ti
o nefasto e o insano
celebro todos os teus e os meus demônios…
numa orgia encantada
as sombras noturnas e os bêbados cotidianos
celebram a morte
refestelando-se de vidas,
como uma besta medieval…
o obscuro e o celestial
de mãos dadas num regozijo
num gozo transcendental
num gole descomunal de insensatez,
da mais vulgar e divina sensação humana…
brindemos!
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Era tarde e, irônico, o dia se anunciava.
Tórrido e voraz como de costume, fritava o já pouco caráter que restava à mesa. Entre as
frestas de luz que nos ofendia havia também os infames alvitres entre copos e corpos. O caos
de uma cidade e de seus moribundos notívagos se refestelava de toda nossa amoralidade
inconsequente e vívida. Por mais que tímida ou sorrateira ou escancarada que fosse, nada
mais nem menos que iguais em desgraça ou na graça de ser. Como se a urbe nos incitasse ao
alvorecer, mesmo que tolhêsse-nos com a amplidão de sua luz, feito quem gosta da dor e sente
prazer em sofrer.
Era tarde e, irônico, o dia se anunciava.
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o que me fora tirado da algibeira
nem alcova nem alcachofras pagam…
o que me fora roubado da infância
nem Nietzsche nem Almodóvar…
nem sequer uma super transa entre
Oswald e Macalé… numa “antropomorfagia”…
apenas sigo porque não me é dado o direito de voltar,
ou parar… mas sigo também pela cuca quente e inquieta
que meu vizinho demonstra ter!
o que me apraz e me sacia
é imoral e inefável…
feito comer chocolates com Manoel de Barros!
ou trocar carícias e afagos com Charles…
sem cair Bukowski adentro!
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Sobre a mansidão
só o silêncio nos fala
quando nos cala a alma
e quedamos serenamente
um no outro como a não saber
onde começas ou onde findo
Sobre a tormenta
nosso caos particular
vívido, visceral… carne e carma…
também é parte de nossa alma
e lapida quem somos
a cada encontro!
Somos dois e um!
Mansidão e Tormenta!
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Serve mesmo aos desavisados, qualquer aviso. Que seja um sopro ou assobio de tempo.
Que seja uma estaca fincada em lugar qualquer. Serve sempre aos desnorteados, um pólo
imantado, uma migalha, uma agulha que aponte, seja pronde for. Mesmo de sobreaviso, ainda
que inflamado de norte, perde a pouca sorte que possui o poeta sem sua dor, sem sua vida,
sem seu labor… que sua dor seja fajuta, que sua vida seja suja, que a rede e o vinho seja o
único e verdadeiro labor que já tenha conhecido. Faz-se renitente ante suas glórias inventadas
e suas mazelas glorificadas, faz-se a arte daquele que apenas vive sem muita consciência ou
moderação, faz-se a vida daquele que sobre avisos e afagos, um tornado oriente, decadente se
mantém a vagar pela beleza da última fibra ou fio de sanidade.
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Sobre tudo o que me rodeia
tenho clarividência
uma esquizofrenia ególatra
sinto a fogueira ao primeiro crestar
e a findo antes que finde a derradeira centelha
fartos ou parcos ou podres
sinto a catinga e o perfume
corroer meu peito incrédulo
de sua própria sagacidade
e vorazes a descrença e a fé
solapam suas últimas ruínas
e o deserto que me resta,
a antítese de minhas certezas,
me arrasta ao meu limbo
Já não tenho evidências
de qualquer coisa claramente
Já não me tenho, nem a mim nem ao razoável,
Na Casa Verde de Simão apenas escrevo.
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Mostra-se manso, etéreo, obtuso
astuto manco tal qual ebriedade
servida ao varal de panos desnudos
insanos galopantes goles mortais
veredas de impraticável retorno
feito a morte possessa de vidas
fatal e indecorosa aos olhos alheios
devaneio renitente, inapto aos dias –
escória clariscente da madrugada,
punhal jorrante, sangria social –
vadia, pretensa e infame poesia…
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certo de não haver respostas,
ao menos não as plausíveis –
encerrei há muito as buscas.
deixei a bagagem ao relento,
não me valia de nada –
a não ser o peso incômodo e,
no meio de lembranças,
algumas angústias…
não me incomoda minha nudez,
ou mesmo minha infâmia,
não a mim!
preocupa-me mais as vísceras frescas
da vida que levo e a concorrência com os urubus.
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poesia burocrática
de poetas por ofício
prefiro a morte lenta dos cigarros…