Certamente ressoou aos seus ouvidos, pelo menos uma vez, a expressão “comer com os olhos”, ao que se refere a um efeito gustativo involuntário ao visualizar um prato belo ou, tão somente, que lhe remeta a algo saciável e bom, pelo menos, inicialmente, aos seus olhos. Por vezes também é exigido que um profissional de cozinha apresente um prato que cause tal sensação aos comensais. Por outro lado, essa expressão também faz menção a outros cernes, no entanto, o presente texto, atear-se-á, ao âmbito gastronômico. E nesse mesmo sentido, “comer com os olhos” se faz presente na visão glutona do indivíduo ávido, aquele que se excede à necessidade de apenas saciar o corpo.
Pois bem, curiosamente, na antiga Roma, onde se admirava uma beleza singular dos seus tempos e realizavam banquetes de vários dias, nos funerais era de bom gosto (literalmente) oferecer também um banquete, que por si só, remete a algo portentoso e desmedido na criatividade e na quantidade, com suas grosses pièces (peças salgadas dispostas no centro da mesa – geralmente uma peça inteira de uma carne) e esculturas “comestíveis”. Contudo, o interessante é que nesses eventos fúnebres, a farta mesa era apenas para apreciação visual, ou seja, “comia-se” apenas com os olhos. Isso mesmo. Ninguém ousava degustar os pratos lá ofertados aos deuses. Eis a origem da expressão.
Atualmente, o conceito remete-se à estética do prato, da disposição dos elementos que compõem o “artefato” ou, como igualmente prefiro chamar, o “prato-objeto”, ou seja, onde se dispõem os elementos que fazem parte daquele empratamento (montagem/ apresentação), mas que essa estética esteja coesa em todo espectro visual ao que se atribui a texturas, cores, formas, profundidade, entre outros itens da arte, não esquecendo, como mencionado ligeiramente, que fatores outros – filosóficos, psicológicos e ambientais – também interferem na percepção do sujeito que observa o prato. O indivíduo conecta-se sensorial e neuro-fisiologicamente a estes fatores; um aprofundamento que pode ser adquirido na obra “Fisiologia do Gosto” de Jean Anthelme Brillat-Savarin, nascido no século XVIII. A verdade é que existe de fato essa conexão entre os sentidos e, portanto, “comer com os olhos” é um estímulo visual que atenua a salivação pelo desejo (paladar) de comer de forma tátil (língua). O próximo texto adentraremos mais nesse instigante assunto. Por enquanto, ofereço-lhes apenas uma deliciosa amuse-bouche*.
* AMUSE-BOUCHE significa “divertir a boca”, referindo-se a uma amostra da arte de um chef de cozinha. Algo que geralmente não está no menu e é uma cortesia, elaborada na hora, onde se utiliza nesse acepipe toda a criatividade, estilo e boas-vindas ao comensal. Como bem se expressou o chef novaiorquino Jean-Georges Vongerichten, “o amuse-bouche é o melhor caminho para um grande chef expressar as suas grandes ideias em pequenas mordidas”.