Escritor piauiense é selecionado para compor antologia sobre Afrofuturismo

O escritor e artista plástico Alisson Carvalho, natural de Teresina, Piauí, foi selecionado para integrar uma coletânea de textos sobre Afrofuturismo, junto com outros escritorxs negrxs de vários estados do Brasil!

Fortemente influenciado, entre outros, pela Ficção Científica, pela Literatura Fantástica e pelas mais diversas mitologias africanas, o Afrofuturismo se constitui como um movimento político, cultural, filosófico e estético, que teve início na década de 1960, nos Estados Unidos, e engloba as mais diversas áreas, como a música, a literatura, quadrinhos, artes plásticas, cinema, moda e etc.

O movimento ganha cada vez mais força no Brasil, com nomes como Fábio Kabral, Ale Santos, Lu Ain-Zalia, Ellen Oléria, entre outros. Na literatura, teve sua “estreia” com a obra A Mulher de Aleduma, de Aline França, publicada na Bahia no ano de 1981.

Alisson Carvalho concedeu uma entrevista para a Geleia Total, falando um pouco sobre a Antologia Afrofuturismo: o futuro é nosso, organizada por Kitembo – Edições Literárias do Futuro, além de sua produção artística. Confira abaixo:

 

Capa disponibilizada por Alisson Carvalho.
  1. Me conta um pouco do que te motivou a participar da Antologia Afrofuturismo: o futuro é nosso.

A motivação veio inicialmente de alguns diálogos que vinha fazendo e reflexões sobre as minhas próprias referências. Um dia me peguei pensando nos meus livros preferidos e percebi que eu não me reconhecia, quero dizer que não tinham personagens cujas características pudessem causar ao menos uma pequena identificação que não fosse psicológica. Então, comecei a ler sobre o assunto e talvez esse processo todo tenha iniciado quando comecei o mestrado. Lá, percebi, por meio da literatura científica, como o poder está imerso inclusive na literatura.

Refleti sobre uma ação simples: o endeusamento que nós autores temos pelo livro físico e comecei a me perguntar sobre como essa ideia de ser legitimado como autor, com a publicação de uma obra física, é um mecanismo higienista, uma forma de apartar e segregar quem não tem condições de publicar uma obra. Fora isso, consegui coragem para me assumir escritor por meio das ferramentas virtuais como as redes sociais e os blogs. Desde que isso aconteceu, observo a diferença que há, não só comigo, mas com os colegas autores.

Continuando, todos esses elementos supracitados demonstram que um autor que produza sem recurso dificilmente será aceito pelo meio, mas há algumas exceções e elas são os sintomas de como o poder age na sociedade. As exceções geralmente representam sujeitos brancos, heterossexuais, cis e que moram em espaços fora das periferias. Essas pessoas conseguem acessar os espaços, mesmo que não tenham produzido nenhuma obra física.

Essas discussões, junto com mais alguns diálogos que tive, e aqui destaco a conversa com o Cândido Sales, sobre racismo algorítmico e as formas de discriminação que parecem sutis, mas que nos impactam diariamente no ambiente virtual. Foi numa dessas trocas que ele me mandou um texto do Ale Santos, que é autor de sci-fi & fantasia afroamericana e consultor de gamificação pela Savage Fiction. Foi por causa do Ale que eu conheci o concurso da Antologia Afrofuturista: o Futuro é nosso, organizado pela Editora Kitembo.

A Kitembo é uma editora especializada em Literatura Fantástica e Especulativa feita por jovens escritores e escritoras negras. Eu participei dessa chamada e tive o texto selecionado e foi quando um universo de possibilidades surgiu, pois tive contato com o tema e passei a pesquisar, escrever e refletir sobre.

  1. Para você, qual a importância da publicação de uma antologia composta totalmente por histórias contadas por pessoas negras?

Isso me deixa profundamente emocionado, pois o impacto é gigantesco. É como quando eu assistia aos desenhos animados na infância e via o Super Choque, mas não entendia por que eu gostava mais dele que dos outros super-heróis, eu só consumia, desenhava, brincava, me imaginava naquele universo tão parecido com o meu. Estamos falando de uma realidade que se passa nos Estados Unidos, obviamente é totalmente diferente da minha, então, essa identificação que eu não entendia se dá de outra forma. Esse é o poder da arte: comunicar de forma não apenas verbal. É uma comunicação usada amplamente ao longo da história da humanidade para catequizar, encantar, aproximar, coagir e inclusive oprimir culturas.

Por isso, não tem quem me convença de que isso não é importante, já que o investimento nessas formas de comunicação é tão grande e movimenta uma indústria milionária. Somos um somatório dessas referências. Obviamente, entendo que exista espaço para a agência do indivíduo, mas a forma como uma informação divulgada amplamente pode influenciar é assustadora. Nesse sentido, o Afrofuturista vai construir um futuro, mas com ligação com a nossa história que se manifesta nas artes visuais, música, literatura, entre outras manifestações artísticas e filosóficas. Por exemplo, sempre me lembro de quando saiu o trailer de “Star Wars: O Despertar da Força” e como alguns fãs tentaram boicotar o filme por causa do ator negro John Boyega, que veio como protagonista. Isso é bem sintomático. E temos o exemplo do filme Pantera Negra, que demonstrou o impacto de um protagonismo negro no cinema.

Nesse sentido, quando trazemos o protagonismo para as pessoas pretas, nós estamos apenas ocupando um lugar que nos foi furtado ao longo da história e estamos mostrando para o carinha lá de algum lugar do Piauí, Brasil e Mundo que, não importa a sua origem, você pode produzir uma literatura sua, tal qual aquela que você assiste nos desenhos.

  1. Qual a importância da literatura escrita por pessoas negras? Você acredita que a literatura tem poder para modificar a realidade social?

Como falei anteriormente, sim. Literatura é Poder, imprimimos o poder em tudo que fazemos e podemos perceber que há um controle presente em tudo e que, geralmente, coloca como inferior tudo o que vem das periferias ou que foi desenvolvido pelo povo preto. Vamos prestar atenção no espaço que damos na própria Academia aos conhecimentos decolonialistas. Existe um endeusamento de teorias eurocêntricas e não é à toa, a história é contada do ponto de vista do opressor, os museus que conheço do nosso estado falam da nossa história apenas de um único ponto de vista.

A literatura tem uma potência tão grande, que ela influencia o nosso modo de pensar e, concomitantemente, nós imprimimos as nossas subjetividades na literatura, ou seja, é um processo de duas vias. Quem tem poder pode divulgar amplamente suas ideias e influenciar novos pensadores.

Temos grandes revoluções da humanidade associadas à literatura: primeiro, a forma como materializamos as nossas ideias permitindo a fixação dos conhecimentos adquiridos empiricamente; posteriormente, temos a invenção da Imprensa de Gutenberg que ajudou a registrar e popularizar as ideias; além disso, temos a xérox que ampliou o grau de difusão dos pensamentos; e, com a internet, até as fronteiras linguísticas deixaram de existir. Por isso, eu acredito sim que a literatura tem o poder de transformar a sociedade. Essa transformação pode significar um avanço em termos de ampliação de direitos ou um retrocesso, afinal, temos que entender que um dos livros mais lidos no mundo comporta ideias que podem se tornar perigosas. E essa é a beleza e contradição da liberdade do pensamento.

  1. Fala um pouco sobre o teu texto que compõe a antologia.

O nome do meu conto é “O caderno de Evee”, que é um relato da curiosidade de uma mulher trans que cresceu em um ambiente inóspito, destruído pelos grandes conflitos da humanidade. O que propus foi pensar em uma sociedade distópica, na qual as máquinas assumiram o protagonismo naquilo que chamamos de antroposfera. E o conto é o olhar de uma personagem exploradora, apaixonada pelas tradições e pela natureza quase extintas. Ela questiona a própria condição ao encontrar dados do nosso tempo, de quando tínhamos uma sociedade democrática, e essa é uma angústia que cresce durante o conto.

É importante dizer que a obra foi ilustrada por Fabrício Flor e Lucimara Penaforte e tem também contos dos autores Alec Silva, Ana Meira, Felipe Augusto e Fernando Gonzaga. A Antologia Afrofutirista, como um todo, fala sobre os futuros possíveis, tecnológicos, distópicos, pós-apocalípticos, em outras dimensões ou em viagens interestelares apresentadas em diversas narrativas e estilos, que evidenciam uma vocação para o fantástico ainda pouco valorizada na literatura negra.

E o livro cumpre o papel de ser um espaço seguro para autores e autoras negras explorarem sua criatividade, projeções e fantasias, apresentando o afrofuturismo e seu desenvolvimento no Brasil.

  1. Você pretende escrever mais coisas dentro do gênero do Afrofuturismo?

Eu conheci esse gênero e agora minha escrita ganhou um outro rumo, comecei a enveredar para esse caminho e tenho ficado cada dia mais apaixonado. “O Caderno de Evee” é um conto, mas que não acaba nessa narração. Após essa criação, construí um percurso para a personagem que é mais detalhado e que tem chances de se tornar uma obra maior. Com toda certeza essa possibilidade que me foi dada pela Kitembo vai gestar outras histórias, como já tem acontecido. Depois dessa antologia, eu participei de outros projetos como o Antologia “Alma artificial: histórias de máquinas e homens”, que está prevista para ser publicada esse ano também e que foi construída com a ajuda dos próprios autores, por meio de uma campanha que está chegando ao fim nesses dias.

 

  1. Além da escrita, você envereda por outras artes, me fala um pouco sobre tuas produções e projetos artísticos.

Eu estive no teatro por aproximadamente dez anos e apresentei alguns espetáculos no Piauí e em outros estados. Posteriormente, retornei ao mesmo grupo, a Épica Cia de Criação, mas como diretor e montei uma peça de um texto do escritor, dramaturgo e professor Roberto Muniz que se chama “Uma Cama Quebrada”. Além disso, eu, que sempre desenhei aleatoriamente, comecei a pintar. A minha entrada nas artes visuais aconteceu por acaso. Quando usei os relatos dos entrevistados da minha pesquisa de mestrado, resolvi desenhar e pintar os rascunhos e a experiência se tornou uma possibilidade que nunca havia imaginado. Hoje em dia, me divido entre a escrita e a pintura.

 

A antologia “Afrofuturismo: o futuro é nosso” encontra-se em pré-venda, e a antologia Alma artificial: histórias de máquinas e homens” está em financiamento coletivo. As obras podem ser encontradas através dos links a seguir:

https://www.editorananse.com.br/antologia-afrofuturista-o-futuro-e-nosso-vol1

https://www.catarse.me/almaartificial

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