Lucas Rolim declama “antipoema aos assassinatos da província”, de Lucas Rolim
Imagens e Edição: Ícaro Uther
Música: Universo Osrevinu, de Double Music Tape
Apoio: Casa da Cultura de Teresina
antipoema aos
assassinados da província
(Lucas Rolim)
“do alto vi a cidade que corta os pulsos”
(Alex Sampaio Nunes)
não serei um poeta de minha cidade
não cantarei os corpos estendidos no varal
a reza das mães na prantina noturna
o tédio fatal de seus adolescentes
não serei cúmplice, não terei pena
não esconderei os corpos debaixo das palavras
que me importa os nomes das famílias
o veneno de seus patriarcas, a idade dos padres?
não serei filho, não me deitarei com a imperatriz
não tomarei cerveja com os seus poetas
com os seus amantes, com sua rotina de ossos
as ruas alucinam, as praças adormecem
os suicidas me acordam, me falam de um outro lugar
alguém diz que deus virou as costas para nós
e eu penso nas costas de deus
tão escandalosamente claras como as costas do sol
eu gostaria de saltar os muros do cemitério
me abrigar entre os não-lugares da cidade
recusar sua arquitetura de acidentes
suas escolas assassinas, seus líderes e suas ordens
seus militares e seu ódio
seus fascistas e suas instituições
eu sou aquele que se repartiu em muitos
e secou de suas mortes
eu sou aquele que habita e é habitado
toda vaidade será humilhada
todo pecado exposto, todo homem sozinho
não falarei da alegria
não direi que há refúgio na Mesopotâmia
não assistirei à sua queda com remorso
eu cantarei uma angústia presa entre dois rios
uma cor local pintada a sangue
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