Carmem Kemoly: uma artista em trânsito

Carmem Kemoly é natural da cidade maranhense Timon que, de tão próxima à Teresina, mantém uma dinâmica de parceria com a cidade em uma simbiose que dificulta a criação de fronteiras. A jornalista, MC, pesquisadora e realizadora audiovisual é formada em Comunicação Social pela Universidade Estadual do Piauí e faz mestrado em Comunicação e Cultura na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Carmem já lançou o EP Karma (2019) e participou de diversos slams e saraus Rio de Janeiro, com destaque para o Slam Liberdade em Petrópolis (RJ), Poesia Preta na FLUP (RJ) e Slam das Minas (RJ). Além da música, Carmem Kemoly assina a direção do curta “Esperança” (2019) e do longa “A quem será que se destina a Transnordestina?” (2019). “Eu me descobri artista quando me encontrei enquanto pessoa, humana mulher e de pele preta”, pontua. Nesse processo de autoconhecimento, Carmem percebeu que a criação é uma pulsão que pode viajar por diversas linguagens, seja a música, o audiovisual ou a escrita.

“Eu me descobri artista quando me encontrei enquanto pessoa, humana mulher e de pele preta.” Carmen Kemoly

Nome Completo: Carmen Kemoly da Silva Santos

Descrição: Jornalista, MC, pesquisadora e realizadora audiovisual

Data de Nascimento: 25/ 01/ 1991

Local de Nascimento: Timon, Maranhão

Escrito por: Alisson Carvalho
Revisado por: Paulo Narley

Os pilares da educação

Carmem Kemoly teve os primeiros contatos com a arte no ambiente escolar e relembra esse período, pois com aproximadamente seis anos de idade, quando ela fazia a alfabetização, ela teve contato com um livro de português que continha várias músicas para crianças e que eram cantados pela turma na escola. “Eu gostava tanto que aceitei de prontidão a proposta de meu pai de gravar uma fita cassete e enviar para uma tia de Brasília. Veja só, eu gravei meus primeiros singles aos seis anos de idade e quem produziu foi meu pai”, relembra. Ainda na infância, com sete anos de idade ela ganha um concurso de dança na catequese dançando a música “É o tchan na selva” e no mesmo ano, período que cursava a primeira série do ensino fundamental, ela relembra que desenhou uma paisagem de cachoeira e o desenho ganhou alguma competição escolar. Por isso, ao mergulhar nessas memórias, a artista percebe que esses foram indícios da sua ligação com as artes e afirma que nesse sentido o ambiente familiar e escolar foram preponderantes e os pilares que alimentaram essas aptidões.

Encontrando-se no hip hop

Carmem Kemoly mergulhou definitivamente no mundo das artes quando adentrou no universo do hip hop e isso aconteceu quando ela passou pela experiência de estar como correspondente no Portal Correio Nagô (BA), cuja principal ação era divulgar as ações do movimento negro dentro do território piauiense. A vivência ajudou Carmem a conhecer os grupos afro da cidade, inclusive grupos de capoeira, muitas pessoas ligadas ao movimento hip hop e essa aproximação fez com que a jornalista acompanhasse o fluxo de políticas públicas relacionadas ao povo preto. “E minha afinidade poderia ter sido em outro viés da cultura preta, mas foi o ritmo e a poesia que me acharam. Eu me descobri artista quando me encontrei enquanto pessoa, humana mulher e de pele preta”, crava.

Todo esse processo de autoconhecimento foi gestando a artista que conhecemos e que desenvolve um trabalho de cunho social importantíssimo para a cultura não só do Piauí ou Maranhão, mas brasileira. “E parece redundante ter que reafirmar, mas até então, idealizar um horizonte e entender saúde e mente, era ver uma máscara branca em sua frente. E daí eu fui deixando sair o que estava preso, entendendo que eu também podia. Podia ser poeta, intelectual, multiartista, MC e compositora se quisesse, e ainda realizadora audiovisual se eu bem entendesse. Eu fui jogando pra fora, e foi dando nisso.”

Criar é um parto de prazer e dor

“É doloroso dizer que eu crio mais quando não estou bem. E isso talvez não seja saudável. Porque falar de nossas dores é curativo, mas não quando isso se torna algo mecânico”, diz Carmem Kemoly. A artista relata que embora seu processo criativo seja espontâneo ela segue um método para registrar as inspirações que surgem, por isso mesmo sem se obrigar a escrever para ela é importante anotar as ideias primárias e para isso ela pode usar até um pedaço de guardanapo de lanchonete. O importante é materializar a ideia. Carmem é adepta do silêncio como ambientação para as suas criações e ela completa dizendo que o silêncio é artigo de luxo pra população preta que dorme e acorda com a trilha sonora da bala e do tiro, ou com as constantes cobranças para conseguir suster financeiramente o ambiente familiar.

“Eu preciso do meu silêncio pra criar, pra ler e somar isso às minhas vivências. Mas enquanto mulher preta isso também não vem fácil, quando se tem multi funções pra dar conta diariamente”, frisa.

As raízes da Esperança

“Quando encontrei o movimento negro de Teresina em 2012, Esperança Garcia era a personagem da vida real quase que obrigatória de se conhecer. Os esforços naquela época eram de tornar seu nome mais e mais conhecido, e desbravar ainda mais sua história e diversas pessoas, ativistas e pesquisadores estavam engajados nessa missão. Mas foi com o Dossiê feito pela Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB-Piauí, que a profundidade de sua história ganhou ainda mais destaque. Eu era estagiária da assessoria de imprensa da Ordem nessa época, então acompanhei de perto o trabalho de advogades, historiadores e movimento ativista em compilar esse material, diz Carmem Kemoly.

O curta ‘Esperança 1770’ surge imerso nesse contexto da artista, que superou as dificuldades técnicas para prosseguir com a montagem. A oportunidade perfeita veio em 2017 com o edital de pesquisa sobre gênero e raça lançado pela Ancine que tentou reverter com a proposta o fato de nenhuma mulher negra ter dirigido ou roteirizado uma obra naquele período. Em 2018 Carmem inicia os trabalhos de desenhar um roteiro sobre mulheres pretas no Brasil que a impactavam. Em 2019 surge a oportunidade de participar do Laboratório de Roteiro para mulheres negras na Casa das Pretas (RJ), onde quinze mulheres negras paririam quinze curtas metragens e Carmem Kemoly foi a única das participantes que não gravou no Rio de Janeiro graças à parceria com a cineasta piauiense Milena Rocha. As gravações se estenderam até São Luís que remete o local ao trajeto dos antepassados de Esperança, pois provavelmente eles chegaram pelo porto do Maranhão, segundo o Dossiê. “A personalidade de Esperança, sua força e perspicácia sempre me chamaram atenção porque ela desmistifica tudo que nós não pensamos sobre uma mulher preta escravizada no século XVIII. Ela é conhecedora das leis, e ela luta por isso por meio da escrita.”

Um brado retumbante

Carmem Kemoly fez da arte um refúgio das pressões da vida acadêmica e da militância, seu mergulho no movimento preto aconteceu dessa forma e ela conta que “trocou as falas dos supostos ‘dirigentes’ pelas falas do povo preto através do rap”, dessa forma foi possível transformar a sua motivação em inspiração. A ferramenta de combate só mudou de forma, a artista uniu o ativismo com a música para continuar fazendo política nesse novo espaço. Foi quando Carmem começou a analisar a conjuntura do próprio movimento musical e se encontrou no hip hop que foi o ambiente que mais abraçou as suas causas com toda a bagagem cultural trazida pelas mestras e mestres do hip hop. O movimento hip hop fez a artista dilatar seu olhar e enxergar novos horizontes. “Foi inevitável ver tudo de fora e a música foi fazendo parte de mim, primeiro através da poesia, depois sentindo o que os ritmos queriam me dizer.” Carmem Kemoly conta que o rap do Piauí e do Maranhão foram as suas maiores escolas e grupos como “Afronto” e “Gíria Vermelha” ensinaram muito com suas letras contra colonizadoras. Enquanto mulher MC, Laura Gigriola é a sua grande referência. “Imagina eu muleca, iniciando no rap e sabendo que tinha uma monstra na minha terra que eu poderia me espelhar. Laura me deu aulas com suas letras e foi essencial na minha caminhada”, diz. Além disso, a sua mãe, Leonice Rodrigues, cabeleireira autodidata, empreendedora, apaixonada por plantas, é a sua grande referência sobre ser multi. “Quando éramos crianças, ela desbravava o espaço público sendo sacoleira e revendedora de cosméticos,  e essas andanças foram minhas primeiras memórias do que significava a rua; pra mim isso é arte pura”, crava.

A importância do registro

Carmem Kemoly que sempre viveu no constante trânsito de geográfico, vivenciando diferentes perspectivas, conseguiu perceber a diversidade cultural desde cedo e foi transformando obstáculos na força propulsora para superar todos os desafios impostos pela vida. Para Carmem a arte representa sobrevivência mental em meio ao caos que vivenciamos e o cinema seria a necessidade política, discursiva, narrativa e imagética para as pessoas. Nesse sentido ela completa dizendo que o povo foi usurpado dessa arte durante muito tempo e teve sua memória infringida pelo crime de um Ideal Branco introjetado pela sociedade. Carmem demonstra como é importante o registro e frisa o quanto é importante documentar as memórias orais das pessoas, pois elas responderão muitas dúvidas das gerações vindouras.

Contatos

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E-mail: carmoly@hotmail.com / carmenkemoly@gmail.com

Fotos

Vídeo

Filmografia

Esperança (2019);

A quem será que se destina a Transnordestina? (2019).

Discografia

EP Karma (2019).

Outras fontes

https://www.piauihoje.com/blogs/agito-cultural/rapper-carmen-kemoly-lanca-ep-em-timon-nesta-quinta-feira-12-335518.html

https://timonagora.com/noticia/300/timonense-carmen-kemoly-escreve-e-dirige-filme-que-conta-historia-de-esperanca-garcia

http://www.revistarevestres.com.br/reves/cultura/a-voz-do-slam/

 Última atualização: 28/02/2020

 

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