Por que é importante que nós escrevamos (e leiamos) sobre nós mesmos?, por Paulo Narley

 

Desde que iniciei o mestrado em Literatura, na UFPI, e decidi dedicar minha pesquisa à literatura LGBTQIA+ (mais precisamente à literatura gay), escuto questionamentos (vazios) como “por que você se dedica a estudar literatura?”, “por que você vai dedicar tempo e esforço para esse tipo de literatura?” ou ainda “você deveria se dedicar a uma literatura mais séria”…

Para além do motivo óbvio, a literatura LGBTQIA+, bem como outras tidas como literaturas de margem, é uma área que sempre me interessou. A literatura (assim como a arte em geral) possui potência para nos fazer olhar para a nossa realidade. Ela faz com que possamos enxergar as questões do outro e suas particularidades. Além disso, nos proporciona o entendimento sobre nós mesmos. Por isso, concordo com Antonio Candido quando ele afirma que a literatura tem como uma de suas funções a nossa formação enquanto seres humanos. Através dela, podemos nos tornar gente.

Lembro da primeira narrativa gay que li, ainda na adolescência: “O preço de ser diferente”, de Mônica de Castro, um livro espírita. Recordo das sensações que me percorriam a cada linha, devorei o livro em um único dia. Até então, eu não havia lido nada com essa temática, e o livro foi de suma importância para que eu pudesse me entender. Isso foi mágico. É mágico perceber que toda a confusão de sentimentos não acontece somente com você, especialmente se você é adolescente.

Assim, narrativas que têm protagonismo LGBTQIA+, negro, indígena, e todos os tipos de indivíduos considerados margem, são de extrema necessidade, especialmente nesses tempos tão sombrios.

Escrever sobre nós mesmos evita aquilo que Chimamanda chama de “história única”. Esse tipo de história, segundo a autora, cria estereótipos que não são completamente verdade. Dessa forma, é importante que nós mesmos contemos nossas histórias. Não afirmo aqui que somente gays possam escrever sobre gays, ou que somente negros possam escrever sobre negros (ad infinitum). Não! Porém, por muito tempo na história, nossas estórias não estavam nas nossas mãos, penas, canetas, teclados… E agora, mesmo com tantos retrocessos, elas são nossas de fato e podem ser contadas por aqueles que as vivenciam. Escrever, portanto, é também um ato político, um modo de gritar que nós existimos e somos sujeitos! Enquanto escrevemos, nós somos narradores e escritores de nossas próprias histórias. Somos, ainda, como afirma Grada Kilomba, o oposto do que o projeto colonial, e (adiciono aqui à ideia da autora) mais atualmente a sociedade heteronormativa, planejou(a) para nós. Passamos de meros objetos a sujeitos e “essa passagem de objeto a sujeito é o que marca a escrita como um ato político” (KILOMBA, pág. 28, 2019).

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