É mais confortável replicar, mesmo porque o esforço para nadar contra a corrente é, obviamente, bem maior do que simplesmente continuar reforçando aquilo que já existe. E nem adianta falar simplesmente que o império do pensamento cartesiano é o plano de fundo ou a pedra angular que fundamenta o modo como organizamos o nosso pensamento, pois existe e sempre existiu uma pequena margem para a agência, logo, sempre existirão os desafinadores de coro em todo lugar e época.
Imerso num oceano com miríades de experiências que vão nutrindo de dados acumulados ao longo do tempo, estão os mamíferos menos racionais da biosfera, contudo os que aprenderam a ressignificar o mundo, o ser humano. Um bípede que, embebecido pelo poder, conseguiu criar uma mistura nada homogênea de formas de percepções da realidade para se entender, para compreender o universo e para questionar o desconhecido.
Não tardou muito para que o olhar objetivista se transformasse em método. A forma de classificar o mundo que impregnou o nosso olhar tem muito desse cartesianismo, tornou-se, inclusive, a base de um dos conhecimentos, o científico. Não é por menos que a ciência sempre esteve preocupada com as suas próprias validações. E, dessa forma, criamos um método que legitima e estrutura esse saber, isso certamente também criou castas e apartou os outros tipos de conhecimentos. Novidade? Nenhuma!
Qualquer outra forma de apreensão da realidade que não seja rigidamente estruturada, passível de ser replicada, testada e prevista foi delegada para outros espaços que não o científico. Decerto nem careceria o esforço de ser investigada para alguns, afinal o impalpável e a subjetividade são terrenos demasiadamente sombrios, cheios de riscos e instabilidades, ou seja, as regras ou leis gerais não valeriam e não conseguiriam uma efetiva aplicabilidade.
Fragmentamos o saber, tornamo-nos especialistas alimentados pelo espírito do individualismo, isso fez de nós maleáveis ferramentas de trabalho, maleáveis mesmo tendo mentes rígidas seja pelas ideologias, pela cegueira dos dogmas ou pela limitação da nossa própria “menoridade mental”. A fragmentação do saber criou engrenagens que funcionam com maestria em conjunto, com funções individualizadas, mas que sem os conhecimentos holísticos não tem a menor noção do contexto social ou da coletividade.
Longe de mim tentar dirimir o potencial das especialidades, o meu único interesse é questionar o valor de algumas dessas categorias supracitadas. Por esse motivo me aporto em Edgar Morin, pois ele sugere que talvez seja necessário um ser físico, biológico, psíquico, cultural, social e histórico para dar conta da complexidade que é o ser humano. E continua dizendo que toda essa potencialidade por vezes se perde na forma como configuramos o conhecimento, fragmentando-o em disciplinas que são organizadas de forma isoladas.
“A condição humana deveria ser essencial de todo ensino.” Edgar Morin
Não resta dúvidas que o livro “Os Setes Saberes Necessários à Educação do Futuro” deixa explícito quais os conhecimentos essenciais para a formação de um ser capaz de enfrentar os problemas da contemporaneidade. Como pensar o futuro sem pensar o Meio Ambiente? Essa pauta suprapartidária é provavelmente um dos temas que mais divide opiniões, pois a culpa sempre é delegada e ninguém quer assumir as responsabilidades ou simplesmente mudar o estilo de vida autodestrutivo do sistema.
Mudar é desprender-se do passado. Seguir num oceano desconhecido.
Para Edgar Morin o ser humano deveria se preocupar com o destino do planeta começando por uma educação planetária que não ignore a história dos avanços científicos, mas também sem suprimir as consequências destrutivas desse desenvolvimento causado pelas mesmas descobertas que enaltecemos, afinal para o autor todos partilhamos o mesmo destino.
Por isso a educação tem que se preocupar não só com as particularidades, mas com os conhecimentos mais amplos e também nos ensinar a navegar no oceano de incertezas que a formação acadêmica ao longo da história acabou criando, uma vastidão habitada por arquipélagos de certezas. Aprendemos a nos desapegar dos determinismos que falharam em prever o futuro, mas então o que restou?
Para o autor, a educação para a compreensão está ausente e a compreensão solicita a reforma das mentalidades. Os conflitos e guerras demonstraram que o conhecimento cartesiano não é a solução para os problemas, mas o que tem a ver o cartesianismo Com isso tudo? Onde a educação está nos levando? Para Edgar, a compreensão é essencial para entender a austeridade, o outro, além disso talvez a solução para a intolerância estaria em estudar a incompreensão e poder entender o que ele chama de “educação para a paz” que incluiria o estudo da ética do ser humano, ou seja, uma abordagem de educação diferenciada.
Referência:
MORIN, Edgar. Os Setes Saberes Necessários à Educação do Futuro. 2. Ed. São Paulo: Cortez, 2000.