Conto da libertação, por Alisson Carvalho

Fausto deitou-se sobre a ponte de madeira da piscina de concreto – feita para abrigar os peixes que ficavam no jardim florido do Bosque Amazônico. Ele podia ver a copa das árvores e alguns animais minúsculos sobrevoando o céu tão longínquo e azulado, enquanto o farfalhar dos cocais produziam uma melodia semelhante ao barulho produzido pela chuva ao tocar o chão árido. Bem distante dali algumas crianças gritavam, pois estavam se divertindo no campo de futebol construído para entreter a comunidade que residia nos arredores da Vila Pagã (que ficava trinta quilômetros distante da capital dos seus calafrios, das suas vis preocupações cada vez mais insignificantes naquele instante, somente naquele instante).

Ainda em repouso ele avistou uma astuta borboleta sobrevoando e se aproximando até pousar sobre a ponta do seu nariz. Observou, quase imóvel, a gradação multicolorida das asas do inseto. E naquele momento a mente aristotélica do espectador tentou filtrar as sensações sutis, simbólicas. Aquele estranho impulso positivista insistia em ficar e tentava, em vão, drenar a magia do momento.

O bater das asas da borboleta criou uma espécie de áurea, quase invisível, ao redor do pequeno ser alado que foi se abrigar sobre o troco cortado de uma palmeira qualquer perdida no matagal, na imensidão a verdejar no horizonte diante dos olhos do admirador.

Fausto deixou que seu corpo pendesse para o lado e virou-se, fazendo com que seu rosto tocasse na ponte enquanto parte da sua face era refletida na superfície do lago artificial, mais abaixo do reflexo alguns peixes nadavam tranquilamente. Ele observou o contorno de seu rosto, seus lábios grossos, seu tom de pele, seus olhos castanhos e os cabelos crespos. Era narciso, sentiu-se narciso, amou-se narciso, até que uma pétala de uma flor qualquer tocasse a superfície da água e turvasse a sua imagem refletida.

Quando olhou para a mata apercebeu-se, deu-se conta do horário, percebeu que ainda era dia, mas que a luz esvaia-se vagarosamente. O flash da câmera do observador que surgiu repentinamente no local furtou a sua atenção. A foto tentou filtrar algo que jamais seria dito nem pelo silêncio da relva. Fausto encarou o fotógrafo e riu.

O canto da libertação ecoou dos galhos das palmeiras e ambos cultuaram a melodia cantada pelo corrupião que se escondia na imensidão da mata. Imersos nas águas da contemplação, por alguns breves instantes, sentiram brotar do solo algo intraduzível.

Fausto correu – metaforicamente – pelas encostas da mata desconhecida, perdido, totalmente perdido mesmo sem andar, mesmo estático sobre a ponte. Parecia querer atravessar um caminho turvo, mas necessário. Emergiu do lago de incertezas e aceitou a mão estendida, era hora de partir daquele estranho lar.

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