Prefácio do livro “Cores sob nossas peles”, por Alisson Carvalho

Cores sob nossas peles é instigante, provocador, emocionante e inspirador. É um matiz de probabilidades, a visão realista diante de situações ficcionais, contudo, reais, inspiradas no cotidiano de vidas atravessadas pela violência e pelo poder devastador do abandono.

Noé Filho escreve com sensibilidade e muita propriedade, o avesso de um lado que só sabe quem foi tingido pelas cores, quem experimentou conhecer o universo dos diferentes, os invisíveis. É mais fácil pintar sobre todas as camadas do corpo expectativas do que simplesmente enfrentar o mundo monocromático. Seu espírito empreendedor e inovador é canalizado também para a escrita de forma tal que cada novo conto tem sempre algo de novo, uma forma diferente de narrar e descrever um acontecimento, de pensar a ação da personagem, de surpreender.

É possível se sentir integrado à obra, cada detalhe revela um pouco de quem somos. Seja o encantamento pelo simples, a espera pelos bilhetes amorosos ou a constatação que o que resta é mais que memória, é uma parte nossa que fica ali grudada sobre a pele.

Noé não se limita ao lugar comum, pelo contrário, tampouco delega culpados, nos coloca dentro da obra como vítima e algoz com a elegância de quem respeita os processos, o tempo e a maturação das ideias. Por isso, quem lê Cores sob nossas peles é lançado de cara dentro da obra como sujeito ativo, propositor da ação, não menos, pois estamos por baixo dessa epiderme de conceitos construídos culturalmente.

E é mergulhando no espectro das cores que vamos redescobrindo a própria forma de enxergar situações aparentemente corriqueiras, mescladas de ironias sutis de quem conhece as peças que a vida prega em quem é inflexível. Noé Filho convida o leitor a rever as próprias crenças e questiona algumas certezas enquanto desconstrói alguns mitos.

As cores vão emergindo dos poros enrijecidos da pele e demonstrando que antes de tudo somos demasiadamente humanos, em todos os sentidos, ávidos por um abraço que nos desensinem a chorar, que acalentem a rispidez da violência cotidiana. Abraços são mais que gestos, são pequenas ações que nem precisam ser ditas, é uma fotografia exposta na parede da casa, é dar luz ao que foi apartado e lançado no quarto escuro, no armário envelhecido do sótão.

A poética das cores pinceladas por Noé demonstra a importância da empatia para fortalecer as raízes e lembrar que é possível se vergar com a crueza da vida e com as intempéries, mas jamais quebrar. Este é o poder do apoio, do ombro amigo, do alento familiar: fortalecer a base, as raízes, o espírito.

Cores sob nossas peles subverte ao passo que negocia. Infere críticas ferinas às construções metafísicas humanas, às religiões. E, quando nos acostumamos com a cor predominante, ele nos apresenta novas gradações. A escrita entusiasta é deveras realista, não tem a ambição de ser romântica, menos ainda de ser pessimista. E esse é um dos pontos principais nesta obra, é a proposta de refletir a respeito dos preconceitos que acometem todos nós, e, principalmente, que sempre temos a possibilidade de modificar o que parecia fatalista. Afinal, “as tragédias têm o dom de pulverizar certezas”.

A obra atinge facilmente o objetivo central da criação artística, emociona. É possível sentir a brisa tocando, o sangue escorrendo, o manto negro do esquecimento, a violência da gravidade, a nuvem negra que invade a alma e os odores exalados pela paixão.

Alisson Carvalho

Escritor, Mestre em Antropologia (UFPI) e Redator da Geleia Total

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