“Nasci na comunidade da baixa da Égua
Sou rosa e branco, me respeite seu doutor
No Samba fiz minha história, são muitos anos de glória
Eu sou Sambão, com orgulho eu sou”
Nasci mesmo na comunidade baixa da égua! Se alguém te mandar ir para a baixa da égua, certamente você passará em frente a minha casa.
Esse lugar no centro norte de Teresina e suas memórias são um registro forte da identidade do nosso povo e principalmente da história do carnaval Teresinense.
A memória, mesmo que calada vive. Vive nas nossas ruas, nos sambistas que por aqui passaram e passam, em mim, na minha família, nos meus ancestrais e em todos que aqui cresceram, mas faço o convite para que viva também em vocês, para não deixar o Sambão morrer.
Moro exatamente no “miolo” , como se diz. Sou vizinha do conhecido “ Seu Manel Messias” , Manoel Messias do Espírito Santo, que é músico, compositor, sambista, inventor, uma figura indispensável na nossa cultura, que carrega bordado na camisa, lado esquerdo do peito o brasão da Escola de Samba Sambão, amada Rosa e branco representada pela égua branca da baixa da égua.
Não é difícil acordar com um estrondoso : “ Alô comunidade da baixa da éééééégua”
Saindo das caixas de som do meu vizinho.
Conversei um pouco com ele, para que dividisse com a gente suas valiosas lembranças:
Cami Rabêlo: Qual é a primeira memória que o senhor tem do carnaval do centro de Teresina?
Manoel Messias: Essa memória vem ainda da década de 40, quando eu era jovem ainda , quando a escola de Samba… É… Nova Escola de samba que era aqui no largo da penitência , de Manoelzinho Alves Campelo (atual Rua Clodoaldo Freitas, ao lado do estádio de Futebol Lindolfo Monteiro ) desfilou ali na praça Rio Branco.
Naquele tempo o percurso que as escolas faziam passava aqui na Praça Rio Branco, contornava ali a rua Paissandu, passava em frente ao Teatro 4 de Setembro e aí voltava. Naquele tempo não tinha essa questão, aquele compromisso de Desfiiiiile Oficiaaaal, de ter horário certo. Era aquele carnaval espontâneo, num sabe? Onde as escolas também não tinham grande aparato de estrutura. Era só os batuqueiros, os ritmistas e tinha o estandarte, o porta estandarte né, que levava uma bandeira da escola, o símbolo maior. Então aquele carnaval era um carnaval natural… esse corso aí que tem hoje em dia, rum, era um corso que existia durante os três dias, quem tinha seus carro Jeep ou até um caminhão ornamentava esse seu transporte, botava o pé no caminho e saía durantes os dias aquele percurso, saía nas escolas de samba, naquele horário entre quatro horas, cinco horas. Era espontâneo com muita gente brincando, se jogando talco, serpentina, confete, mangando dos outros. Carnaval do povo sem apoio do governo do estado, simplesmente eles botavam a disposição da escola vencedora um troféu.
Então essa memória, ficou gravada na minha memória… Porque antes era composta pelos brincantes, pelos trabalhadores, por todo mundo e cada qual bancava sua própria fantasia. Mais aí quando veio querer começar a fazer o carnaval do Rio de Janeiro aqui, aí veio uma época aonde a prefeitura apoiava, mas aí com a retirada desse apoio as escolas despencaram… mas não tem condição de fazer uma escola aqui imitando Rio de Janeiro. Isso é caro… aí nós estamos oque, esperando uma oportunidade da escola de samba ser retomada, mas dentro das condições da gente aqui… com a nossa cara e tudo mais. Repensar.
Cami Rabêlo: E como o senhor acredita Seu Manel, que seria uma alternativa pra que a escola de samba trouxesse novamente a sua força e participação nos carnavais de Teresina?
Manoel Messias: Juntando todos os poderes. Primeiramente a força do povo e depois vinha a prefeitura, os empresários, a própria escola de samba através liga das escolas de samba.
Não ficar só na direção de uma única entidade. Se organizar. Fazer atividade o ano todo. Até porque tem espaço pra todo mundo, pro corso da vida, pros capotes, pra Zé pereira, pra tudo… e tem que ter espaço pras escolas de samba e os blocos. Esse negócio aí de exaltar alguém e discriminar o outro, não. A gente é que trabalhar em conjunto.
E eu já até falei pra alguns políticos que o que encarece também é a própria estrutura. Veja só, a importância de um espaço aonde possa ter escola de samba, festa junina, sete de setembro… espaço público preparado pra vários eventos acontecerem …
Cami Rabêlo: E a Escola de Samba Sambão? Como surgiu? Qual a história por trás desse nome?
Manoel Messias: Foi exatamente na década de 70.
Em 1971, aqui morava muita gente no centro, não existia muito esses conjuntos habitacionais e o centro era o foco da moradia, da habitação de muitas pessoas. E aí o que… Aqui tinha muitos jovens, rapazes, estudantes que habitavam aqui essa conhecida baixa da égua. Aí nós nos reunimos aqui na Quinta Velha, tinha um grande pé de umbuzeiro, aí a gente já era adepto, admirador da Escola de Samba Império do Samba, aqui na vila operária, no Mafuá precisamente. Nós íamos assistir o desfile lá em 72 e pensamos “ Vamos fazer uma escola gente ?”
E foi feita a Escola. A escola de princípio, no início era composta só de moradores do centro. Cada família que tinha filhos envolvidos, ela se envolvia também com a escola. Eu me lembro de que todas as casas aqui realmente se transformavam em costureiras e os pais ajudavam os filhos a comprar as fantasias. Os instrumentos eram feitos por nós mesmos, tipo artesanalmente, coberto com coro, até coro de cobra. Naquela época não era proibido não (risos)
Então que acontece. A escola nasceu livre, cresceu, cresceu, espontânea, sem onerar ninguém.
E cresceu ao ponto de no ano que ela foi inaugurada e ela saiu pela primeira vez em 1973, no meio de grandes escolas de samba como Império do Samba, Escravos do Samba, Malucos por Samba…Escolas da zona norte, da zona sul. E a escola de samba Sambão foi terceiro lugar no meio de várias que já existiam. Depois teve uma sequência de vitórias. Olhe, tem uma coisa que o Sambão sempre primou que foi uma boa bateria.
A escola se caracteriza por ter grandes mestres de bateria, grandes músicos , seu Pai foi um deles, meu filho o Juroba. Aí que acontece, a Escola sempre ficou conhecida como Bateria nota 10.
Cami Rabêlo: E o nome Sambão?
Manoel Messias: Surgiu mesmo em 73, um jovem colocou “ Que tal o nome Sambão?”
E aí pegou… o aumentativo de Samba, o Sambão. E aí ficou na boca do povo e é um Sambão mesmo o Sambão. (gargalhadas)
Cami Rabêlo: E quais foram os temas que o Sambão já trouxe pra avenida?
Manoel Messias: Muitos. A gente sempre procurou trazer temas atuais. O primeiro samba foi exaltando o próprio Samba.
Aí depois teve Saudação aos Orixás, prestamos homenagem a Imperatriz Teresa Cristina, Signos Zodiacais, aonde a escola ganhou o bicampeonato. Já Cantamos Zumbi dos Palmares, Folclore de Teresina, Jornalista e Radialista Carlos Said, Homenagem a mãe África, Esperança Garcia. O Sambão se identifica mais com o tema afro, nosso povo negro. Homenagens às coisas da terra, da nossa gente, sempre foi assim, vai ser sempre assim.
Cami Rabêlo: O que o Sambão Significa pro senhor?
Manoel Messias: Ah, o Sambão pra mim é tudo. Até porque eu nasci e me criei aqui na Baixa da Égua, já estou com 70 anos. Sambão é a minha escola. Pra mim é como um time de futebol, você não pode amar a dois senhores. Minha escola é o Sambão, a Rosa e Branco. Sempre me dediquei. Um escola Feita por grandes entusiastas, grandes apoiadores aqui. Sempre vou torcer para que o Sambão permaneça. Nós temos que preparar uma nova geração pro Sambão continuar, porque o que acontece aqui em Teresina, quando uma pessoa que encabeça determinada coisa morre, geralmente a coisa morre com ele, desaparece a atividade. Assim aconteceu com os Escravos do Samba, quando o Seu João Borges morreu acabou a Escravos do Samba. Quando o Zeca morreu, o Império do Samba Acabou e assim outras escolas.
Esse grupo Jovem daqui, essas cabeças brilhantes daqui da Baixa da Égua , inclusive você, esse povo é que tem que levar o Sambão pra frente e assim, tem outros jovens que podem chegar. Esse povo novo, levem a memória pra frente. Manter a nossa cultura. Sempre quis manter ela viva e presente.
Cami Rabêlo: O Sambão vive!
Manoel Messias: E viverá! É a Escola do povão. Aqui desfila todo mundo misturado, aqui não há preconceito. O que eu quero dizer e que o Sambão está aberto pra vocês, pra quem quiser chegar.
Não vamos deixar o Sambão morrer.
“Mas quem pensa que o Sambão morreu aí
Ficou louco e não viu o que eu já vi
Onde foi casa é sempre Tapera e o Sambão
Vai viver pra Galera”
Cami Rabêlo: Seu Manel, existem várias versões pro surgimento desse nome, Baixa da Égua. Conta aqui pra gente a sua versão.
Manoel Messias: O que eu aprendi e ouvi meus antepassados falarem foi que em Teresina, nas décadas passadas, o meio de transporte era carroça, não existia carro em Teresina. E aqui na beira do Rio Parnaíba juntava aquelas balsas, que vinha realmente lá da região Sul, trazendo talo de coco, buriti, palha, e vinha também com potes, produtos que eram vendidos aqui no mercado de Teresina e os carroceiros na época realmente tinha esse transporte pra transportar esse material pra vender pras pessoas daqui e você sabe né, carroça é tração animal, puxada então também pelas éguas, burro, cavalo.
Ai que acontece, os carroceiros aproveitavam os pastos que tinha na região. Aí uma égua subiu ali no rumo do Atual Liceu Piauiense, ali era um grotão, pastou e estava na fase do cio.
Ai ela foi perseguida por um cavalo, desceu aqui pra essa região, caiu num barranco e morreu com o pescoço quebrado. E aí surgiu esse nome porque ela apodreceu ali mesmo. Naquele tempo não tinha esses serviço pra limpeza etc. Os urubus deram logo em cima.
Então quando o povo passava e sentia a catinga se respondia logo que era uma égua que tinha morrido lá na baixa da Égua. A história é essa.
Cami Rabêlo: Agradeço seu Manel, por compartilhar com a gente a sua experiência e essa história tão rica e necessária.
Manoel Messias: Tô esperando vocês Jovens e quem mais quiser toma de conta, ajudar a fortalecer a baixa da Égua, o Centro de Teresina e o Sambão. Manter a baixa da Égua viva.
Sambão contando a História do Mercado Central de Teresina, Nosso Mercado Velho.