Torcida do São Paulo canta “Boi do Piauí” e reacende a discussão sobre a origem do Bumba-meu-boi

Começou com uma gritaria, mas, pasmem, já foi e é cantada. Coisa boa é quando vem nos moldes de toada, grita pro boi, aquele boi pé seco mesmo, o tal de boi do sertão. Ê Boi! Lá se foi. Voltou pras terras donde surgiu. Piauí, lugar que se cria e exporta de tudo um pouco, de Torquato a Cajuína.

Não é por menos que o boi seja símbolo tão forte na cultura nordestina, afinal, num é que os diabos dos bichos vieram rasgando dos pampas à caatinga, deixando nesses rastros uma simbiose desse contato com cada povo.

Mas, cismem, uns, façam bico outros, foi no Piauí que o Boi ganhou cores e transformou-se em arte, aqui a cultura do boi se propagou, fertilizou e gerou tanto conflitos como integração. O bicho transfigurou-se e transcendeu, criou uma simbiose com o povo, definindo posição social, sociabilidades e a atividade econômica tornou-se cultura.

Não por menos virou folclore, emaranhou-se na boca do povo. Ê Bumba-Meu-Boi! Boi que apazigua, alimenta, encanta, educa, risca na pele todas os brasões do poder. Nas toadas do boi é possível entender, dá pra sentir o labor, o suor, do vaqueiro.

Bumba-meu-boi por Avelar Amorim

Nas fazendas da Capitania de São José do Piauhy a moeda diluiu-se, o Boi virou desejo de peão, fez buchuda salivar, e, sabe-se lá porquê, desejo de Catirina não se nega. Na Vila Velha do Poty um causo encenado ganha força, reverbera, sai do terreiro e ganha o mundo, deixa de ser meu, seu, rompe as fronteiras autorais.

E num é que o Boi foi ganhando sustâncias, ganhando recheio e de tão importante ficou disputado, virou até objeto de estudo pra doutor. Dessas idas e vindas do boi, teve gente que notando a importância do bicho foi prosear com o povo e estudar manifestações populares, destaca-se o professor, folclorista, vereador de Teresina e entusiasta cultural Noé Mendes (1940 – 1990). O cara se tornou um dos grandes defensores da cultura popular e defendeu o folclore como um importante elemento da identidade piauiense. Noé Mendes organizou a Semana do Folclore em Teresina, capital do Piauí, que contou com a participação de grupos e brincantes das danças populares de algumas regiões piauienses e acontecia no dia 22 de agosto, data que se comemora o dia nacional do Folclore.

“Julgo que seria mais prudente falarmos de uma gênese do Boi ou Bumba-meu-boi no Piauí. No entanto costumamos dizer, nas rodas de conversa sobre Bumba-meu-boi e na cultura popular, que o Boi de brincadeira nasceu mesmo no Piauí. Tal especulação pode ser fundamentada a partir da formação de uma estrutura econômica baseada na cultura do boi, na mão de obra escrava, na história e narrativas míticas da cultura popular desse estado, cujas terras e pastagens durante a colonização, já na segunda metade do século XVII, deram lugar ao maior e primeiro grande centro criatório de bovinos do Brasil. Assim a história econômica e social, a memoria oral, as narrativas, as lendas e os mitos de fundação de origem negra e indígena relacionados à cultura do boi apontam para esse pastoril teria migrado para o Maranhão, Pará e outras regiões do Brasil. Contudo isso não anula o fato de que o Boi de cada região tenha adquirido características próprias e recebido influências de outras culturas ou mesmo se originado diretamente da cultura europeia, como afirmam alguns pesquisadores acerca da origem do Boi-de-mamão de Santa Catarina, que negam a presença de elementos do boi do Nordeste no folguedo catarinense.” (Souza, 2006, p. Poesia negra das Américas: Solano Trindade e Langston Hughes)

E Elio continua corroborando o pensamento:

“Os argumentos do “folclorista” e professor piauiense Noé Mendes são condescendentes em relação à nossa opinião:

O certo é que nosso Boi se originou aqui mesmo no Nordeste, uma região colonizada através das fazendas de gado, onde o boi era o centro da sobrevivência local. E o Piauí é o estado onde esse relacionamento tornou-se mais íntimo. Daí a brincadeira estar revestida de tanta popularidade, de tanta pompa e colorido. O boi, para nós, não é apenas um animal importante como outro qualquer, mas está revestido de uma profunda significação mítica.”

E, parafraseando a escritora Evilanne Brandão, todo ano o tal do Boi fez presente nas festividades, nas festividades, nos cultos à vida do boi que ressuscitou, rito comemorado todo ano que se expandiu pelas terras piauienses e escorreu para todo o Brasil, honrando aquele Boi ornado de vida.

 

Referências: 

Ferreira de Souza, Elio; Gerhard Mike Walter, Roland. Poesia negra das Américas: Solano Trindade e Langston Hughes. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2006.

NEGREIROS, Valério Rosa de. Por uma cultura integrada: Noé Mendes de Oliveira e a piauiensidade nas décadas de 1970 e 1980. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói (RJ), 2016.

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