A história política do Brasil nos tem dado a conhecer a espécime essencial desta nossa terra de andarilhos: o brasileiro. O brasileiro é o fenômeno imediato e posterior ao que constitui o país na sua tropical e animada maneira de observar o mundo. Não somos mais que o produto invariável da nossa própria trajetória. Metemos o dedo em pautas que nunca nos tirariam o sono há alguns anos. E daí o grande lance: o multipartidarismo cedeu seu lugar à ambiguidade histórica e barroquista de uma sociedade rompida em dois aparentes eixos.
A merda está jogada por onde quer que sigamos. Acompanha-nos com seu odor incômodo. Se por um lado há os excrementos de um conservadorismo constrangedor, “vergonha alheia”, como se diz usualmente, do outro há as rachaduras de militâncias com boas agendas, mas desarticuladas no enfretamento ideológico, com discursos rastaqueras e defesas pouco consistentes.
Eu sou um confesso adepto da pauta de minorias. Odiaria viver em um mundo em que os acontecimentos, os fatos, são relativizados pela cultura do bem comum. O comum não existe. Não existe porque deixou de ser adequado quando a supremacia branca, patriarcal e heteronormativa tomou pra si o cetro dos fluxos socialmente válidos. O governo não pode mais governar para todos. Claro, o “todos” deve estar inserido no plano, mas cada qual em seus contextos específicos, com suas demandas irrevogáveis.
No Piauí, o cenário é confuso. Enquanto há uma tendência de apoio a certa linha política nacionalmente por quem detesta o direitismo moralista, a nível estadual temos esses mesmos apoiadores desferindo duras críticas a mesma linha que atua por aqui. São como dois pesos e duas medidas. E não pense que nisso há mal algum que seja. Não é vil que se tenham duas realidades promovidas por um mesmo motor social. Não me ponho na condição de julgador, mas de analista do caos instaurado, do barroquismo vigente e contrastante.
Talvez no estado não existam ameaças tão expressivas quanto sejam os pronunciamentos do Bolsonaro e companhia. E talvez também seja essa a grande motivação por quem votou e apoiou o professor Haddad: a escancarada obscuridade com que se darão os direitos humanos em um governo tão incerto e absoluto de si. E então, nos é garantida a liberdade de ser oposição livre e libertária no Piauí, de sairmos das correias e reclamarmos nosso direito de alunos, no caso da Universidade Estadual (UESPI), por exemplo, de cobrarmos melhorias em saúde, educação, segurança pública. Tudo isso porque nos é dado a saber os feitos e desmandos da gestão local.
Na Alvorada, é tudo tão escuro que não sabemos o que esperar. As falas, quando destinadas diretamente a população, assumem um tom diferente daquelas proferidas em encontros reservados a quem está próximo do clero e ávido por uma sentença de “bandido bom é bandido morto”, ou de “viva a família tradicional”. Ministra Damares que o diga. Afinal, são metáforas, não é isso? Metáfora como a usada no título deste texto, para remeter o vermelho ao simbolismo comunista. Calma, é uma metáfora.
Desse modo, não importa qual seja o tom de vermelho que assumamos. Se para um apoio incondicional ou uma oposição firme. O que interessa, afinal de contas, é sermos atores políticos, agentes de transformação e promoção social, transgressores da lei imperiosa do “bom para todos”, E, finalmente, sabedores do que acontece no andar de cima, vigilantes com quem possui a caneta que pode mudar nosso destino.
Cada dia uma nova punhalada mais letal. Os tons de vermelho não cederão, nem diante da onda monocromática que brada vitória. Embora esteja tudo muito sombrio e turvo é necessário não se deixar pelo desencanto, afinal são com esses diálogos que sentimos o alento da consonância das ideias. Acredito isso de aglutinar é o exercício que teremos que voltar a praticar desde já, reavaliar as gradações das cores, etc.