O título traduz a agonia do início do século XX. As máquinas deflagraram o espírito inédito do homem-bicho que não sabia senão produzir. Havia dor e adoecimento invariáveis. A par de Fernando Pessoa, a revolução proletária era um valor a ser deliciado até mesmo pelos estudantes aristocratas russos – o marxismo era moda. Teriam sido eles doutrinados por seus mestres? O sim ou não é uma factualidade histórica cujas nuances se desdobram no mundo pós-guerra-fria, e alcançaram o Brasil em pleno “anos dois mil”.
Eu tenho acompanhado a assombrosa novidade dos tempos que correm ao acaso da nossa geração. O que é, afinal, o exercício de ensino? A banal repetição de teorias é o sonho de qualquer filho da classe média, que se reduz a uma passividade constrangedora de quem absorve discursos, contanto que lhes soem minimamente agradáveis. Do contrário, é politização exacerbada, paixão partidária de quem não sabe nada. Tortura abominável aos seus doces e pueris ouvidos.
Falar de doutrinação é uma necessidade, acima de tudo. E louvo quem aventou a possibilidade de uma Escola Sem Partido no Brasil. Estamos em um país construído à base da catequização jesuítica. Pobres índios. Discutir isso é tomar as rédeas da nossa própria história e, por um segundo que seja, abandonar a conveniente ignorância crítica de um passado marcado pela exploração cultural, laboral, e, sobretudo, intelectual.
Enquanto há civilidade neste país, reservo-me o direito do contraponto. Há alguns anos, ouvi falar da esquerdização do mundo acadêmico, os centros universitários postos sob o fito do alinhamento de idéias, uma robotização discente que, pelo que dava a entender, tornaria o Brasil um manancial de combatividade comunista. Engoli. Hoje ouço falar em crianças que são nutridas por professores terroristas com a semente malevolente e nefasta de Karl Marx.
“Abaixo os puristas!”
O professor, na competência do seu exercício major, deve ao que me parece, calar-se e suprimir toda a sua liberdade em sala de aula por cinqüenta minutos de falação medíocre e sem a menor essencialidade. Desculpem-me, mas aí mora a iminência trágica do fracasso da educação. Ao contrário do que se pensa no clero influenciador da direita, exprimir uma opinião, ou um estado de espírito, é a natureza brutal da humanidade. Do outro pólo da mensagem, pode haver discordância. E, então, há o enriquecimento do processo. No debate vive o futuro da cidadania, nele habita a sagacidade moral do ensino, pelo qual se aplica a fuga do lugar-comum.
E não temos apenas um lado da moeda. Professores, apesar das particularidades ideológicas, têm no ofício o múnus de trazer o avesso do avesso do avesso. Um país de cultura desenvolvida deve entender isso como um privilégio dentro do espaço democrático que nos é dado para divergir. É o que temos de melhor. É onde podemos nos debruçar com seguridade, sem temer resvalar no mínimo, no suficiente, na margem confortável do não-pensamento.
Uma das maiores utopias nutridas pelo ser humano é a da neutralidade. E, como pontuado no texto, temos que entender que a Cultura transforma e forma o nosso olhar. Nossas perspectivas são construídas conforme os conhecimentos adquiridos durante o processo de socialização, basta relembrar o estudo do antropólogo Franz Boas sobre os esquimós no qual apresenta as diferentes tonalidades de branco percebidos por essa cultura. Cada cultura olha o mundo conforme as suas necessidades. Logo, como seres simbólicos, que atribuem significados ao universo, todos criamos um juízo de valor para qualquer instância que nos atravessa, mesmo que esse valor seja irrelevante e volúvel, ele existirá. Enfim, penso que essa utopia de neutralidade é uma falácia usada para suprimir um dos discursos, afinal toda forma de autoritarismo usa mecanismos para restringir a fala e na disputa pelo espaço de poder as estratégias para angariar apoio podem ser as mais covardes, ou seja, desleais. A “Escola Sem Partido” nada mais é do que uma forma de legitimar a educação tecnocrata, técnica, raquítica, que não promove a reflexão, construção de um pensamento multidisciplinar, crítico e que reforça a mediocridade. Tira-se a autoridade do educador, que é um mediador de pensamentos, alguém que promove o despertar de reflexões, um provocador e não apenas um reprodutor de uma cartilha. O texto mostrou a gravidade desse tipo de pensamento e os seus efeitos, todas essas palavras se transformaram em conhecimento empírico recentemente. Os simulacros deturparam até o que é factual. Se a maior faculdade do ser humano é justamente dar sentido ao universo, como atingir esse estado utópico chamado neutralidade se o nosso olhar já é enviesado? Não me surpreenderia se o próximo passo dessa reforma fosse um ensino religioso (cristão) obrigatório…