NOTURNO DE OEIRAS
Meia-noite.
Metade silêncio,
metade solidão.
Atravesso a praça das Vitórias
na hora dolorosa das doze badaladas
punhaladas que também me atravessam.
Da casa de doze janelas
doze donzelas me espiam com olhares
que são setas de medo que
assustam e extasiam.
Passadas pesadas
nos assoalhos de tábuas
dos rugosos sobrados se confundem
com o batuque tuc-tuc e
com o atabaque tac-tac
de meu desengrenado coração.
A lua se esgueira e espreita
das frestas das nuvens.
Os fantasmas caminham
solenes, devagar,
visíveis e invisíveis,
seres quesão e não são.
No horto do Pé de Deus
visagens rezam contritas.
No horta do Pé do Diabo
assombrações assombram
bichos e visitas.
À distância a casa da pólvora
vigia em sua solidez de pedra bruta.
Nos campanários de antigas igrejas
algum falecido sineiro repica
os sinos para si mesmo.
Uma sonata se evola
de piano que já não existe.
E persiste por pura teimosia.
O suicida se insinua
no vão da escada de vetusto sobrado.
Uma taça de prata tilinta e se despedaça …
o relógio da catedral
parou no tempo que continua:
a pátina rói as bordas
da ferida do mostrador e
mostra a dor das doze badaladas.
Negros ainda esperam abolição
absolvição nas cercanias do Rosário
pelos pecados que não pecaram
As pedras antigas do calçamento
são percorridas por sombras
feitas somente de alumbramento.
O vento que passa
não é vento: é fru-fru
de saia de pessoa morta
ou hálito de porta
de casa já demolida.
Da Madona !ágrimas escorrem
e chovem sobre os telhados …
Oeiras navega na noite
de um tempo que não termina.
De um tempo sem medida,
fugitivo de ampulhetas e relógios.