Geleia no MAM-SP [1]

Programa “Museu Aberto: Empreendimentos Criativos”: Cultura e seu valor social

O Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) abriu seleção para o programa Museu Aberto: Empreendimentos Criativos (http://mam.org.br/museu-aberto/),  com objetivo de democratizar a cultura, cidadania e transformação social através do fomento a empreendimentos criativos, capacitando e dialogando sobre projetos culturais. Eu, Evilanne Brandão, me inscrevi como representante da Geleia Total. De quase 500 inscrições, 30 projetos culturais foram selecionados, dentre eles a Geleia Total. Assim, estou participando desses encontros de capacitação e diálogos que vão ocorrer até final do ano – totalizando 88 horas de curso, dividido em 8 módulos. Cada módulo são 4 encontros e a proposta é compartilhar, com todos, o conhecimento e ideias despertadas em cada um desses módulo. Esse é o primeiro registro que faço e espero que gostem de acompanhar.

Geleia no MAM

Módulo 1: Cultura e seu valor social

“Cultura como tudo aquilo que, no uso de qualquer coisa, se manifesta para além do mero valor de uso. Cultura como aquilo que, em cada objeto que produzimos, transcende o meramente técnico. Cultura como usina de símbolos de um povo. Cultura como conjunto de signos de cada comunidade e de toda a nação. Cultura como o sentido de nossos atos, a soma de nossos gestos, o senso de nossos jeitos.” – Gilberto Gil, 2003, discurso de posse como Ministro da Cultura

Entender o que é cultura foi o primeiro passo desafiador dado pelos palestrantes nesse primeiro módulo do programa. Desafiador, pois não é possível resumir o que é cultura em um conceito fácil a ser replicado. Esse trecho acima do discurso do Gilberto Gil foi muito mencionado e entender a cultura dessa forma ampla é necessário, uma vez que abarca todos os nossos atos, gestos, jeitos e sentidos, como povo.

A partir desse ponto de vista, os diálogos traçados a partir das palestras de Suely Rolnik, Alexis Milonopoulos, Manuelina Duarte Cândido e Guilherme Varella, nesse primeiro módulo, foram sendo “costurados”. Em linhas gerais:

  • Discutimos sobre o papel da arte nos contextos sociais e nas micropolíticas, no sentindo de responder a demandas, urgências e “fomes” da sociedade. Como produtores culturais, é preciso manter o olhar desperto e a ação também voltada para impulsionar criação e transformação social. Pensar arte para além do estético, mas como veículo de discussão do que é necessário para todos, enquanto comunidade;
  • Refletimos sobre a preservação da memória, através da arte e cultura, se seria para a transformação ou para a manutenção da ordem estabelecida. Nesse sentido, buscar entender as ações artísticas como algo que possui função social;
  • Dialogamos sobre o Direito à Cultura e a relação (necessária) entre Arte e Direito, pensando nas políticas públicas culturais – reconhecer, valorizar e apoiar o desenvolvimento da cultura – e na atuação do judiciário nas atividades artísticas.

Para finalizar esse primeiro módulo, um exercício de reflexão foi passado: primeiro, para relatar os impasses (estigmas/problemas) vivenciados pelos projetos e, segundo, para descrever as potências criativas de cada projeto. Todos tinham oportunidade de apresentar suas reflexões em grupo, mas no final apenas 5 seriam escolhidos para falar para todos no auditório. E a Geleia Total foi escolhida! Deixo abaixo algumas das reflexões que fiz e apresentei.

Impasses vivenciados no Geleia Total (estigmas e problemas reais)

Em primeiro momento, quando se pensa nos impasses vivenciados pelo Projeto da Geleia Total, a primeira necessidade vital que surge é a falta de recursos financeiros e apoios para realização de mais ações culturais, eventos e valorização do trabalho desempenhado pelas pessoas que atualmente compõem a equipe de criadores de conteúdo, pesquisadores, entrevistadores, fotógrafo, produção de vídeo e designers. Um impasse é conseguir fechar parcerias com pessoas e empresas locais piauienses – e quem sabe nacionais – que queiram investir na Geleia e vejam o potencial e importância do propósito de valorização dos artistas do Estado do Piauí. Fazer as pessoas colaborarem também, apoiando mesmo que seja com valores baixos, mas que já serviriam de grande ajuda, principalmente se houvesse grande número de apoiadores.

E para além do valor financeiro, um impasse constante é a necessidade de alcançar o maior número de pessoas possível, dentro e fora do Estado do Piauí. Pois o propósito real do projeto está justamente nisso: valorizar e ampliar o conhecimento sobre a cultura e arte desenvolvida no Piauí. De nada adiantaria ter apoiadores e parceiros, ou elaborar eventos e encontros locais, se não houver interesse por conhecer e consumir a arte piauiense por parte do público em geral – o que tem que ser despertado e alimentado em todos.

Potências de criação da Geleia Total

Existe uma enorme potência de criação artística e essa potência fica visível cada vez mais a medida que a Geleia Total persiste no propósito de valorização da cultura, divulgação de artistas e produção de eventos no Estado do Piauí.

Com base nas reflexões compartilhadas pelos palestrantes do primeiro módulo do programa Museu Aberto, fica mais claro entender essa potência de criação do projeto.

Primeiro, refletir sobre as urgências locais: no Piauí, tínhamos (continuamos tendo) poucos espaços de divulgação e valorização dos artistas e produções culturais; o que consumimos de arte e cultura era muito mais conteúdo criado e disseminado via TV, por exemplo, dos grandes centros culturais nacionais (SP/RJ). Não que essa realidade não seja ainda persistente, porém hoje a internet (que é o meio por onde a Geleia começou a atuar e ainda é mais atuante) é espaço onde podemos mostrar nossas produções artísticas, manifestações culturais, história e eventos. Todo povo tem fome de sua identidade cultural. Essa fome é a que a Geleia está em busca de saciar – ainda que seja ousada demais pensar em “saciar” tamanha fome.

Nessa busca de dar mais visibilidade aos artistas locais, percebemos ao longo dos anos de atuação da Geleia – desde 2014 – que um empoderamento sobre nossa própria identidade cultural e capacidade criativa está se ampliando. Em pequenos acontecimentos cotidianos se nota isso. Vale a pena citar esses ocorridos, para mostrar de forma concreta esse pensamento:

  • Alunos começaram a usar o site da Geleia Total para pesquisar sobre cultura do Piauí para trabalhos escolares e jornalistas já relataram que acompanham as publicações para pegar dicas de pauta e informações para matérias e reportagens: isso mostra que o conteúdo criado e condensado no site é fonte séria de pesquisa e serve ao propósito de preservação e manutenção da nossa cultura;
  • Alguns dos membros da equipe da Geleia já foram abordados por artistas em locais públicos e com eles compartilharam ter “sonho” e ”desejo” de um dia serem homenageados pela Geleia ou terem seus trabalhos compartilhados nos perfis das mídias sociais: isso mostra como esses artistas encontraram nesses espaços digitais a possibilidade de terem reconhecimento e de reconhecerem a importância de seus próprios trabalhos como arte.
  • E, mais recentemente, uma editora de livros didáticos de distribuição nacional entrou em contato com a Geleia Total para pedir autorização do uso das fotos e conteúdo de matérias que falam sobre o artesanato da região do Poty Velho em Teresina: isso mostra que nosso trabalho e empenho está começando a ser notado pelo Brasil e reconhecido como assunto de cultura brasileira a ser ensinado!

Essas são apenas algumas das histórias que aconteceram e que mostram que o impacto do trabalho realizado pela Geleia tem potencial imenso. Quanto mais empoderados os piauienses estiverem da sua própria cultura, através do conhecimento sobre as produções artísticas no passado e no presente, mais criamos força para continuar a criação artística local e expandir para além das fronteiros do Estado!

Diante desses acontecimentos, percebemos mais claramente como funciona e como deve ser entendido o ciclo de potência criativa da cultura, como um ciclo que se retroalimenta – quanto mais empoderados da nossa identidade cultural, mais divulgação, mais reconhecimento, mais criamos, mais nos sentimos capazes de criar, nos reconhecemos como autores da nossa história e cultura, e continuamos a empoderar. Num ciclo de imenso potencial.

E, com essas reflexões em mente, reconhecemo-nos como projeto de ação cultural que, como bem colocado em palavras pelo Gilberto Gil – na ocasião do discurso de sua posse como Ministro da Cultura em 2003 – visa “fazer uma espécie de “do-in” antropológico, massageando pontos vitais, mas momentaneamente desprezados ou adormecidos, do corpo cultural do país. Enfim, para avivar o velho e atiçar o novo”. Continuaremos fazendo isso no Piauí, avivando a cultura “velha” e atiçando o “novo”.

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