Palmas pra que te quero, por Karla Sousa

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Foto: Tássia Araújo

Ir a um espetáculo de Dança de uma cia que você admira é bom, mas ser surpreendida por ela é melhor ainda! Por estar em contato próximo com a Dança de Teresina, conheço a maioria das companhias de Dança, desde as mais tradicionais às mais “novas” e o Balé da Cidade de Teresina que já tem 25 anos de história é uma cia que acompanho há um bom tempo, porém ultimamente foram poucos os trabalhos que me chamaram atenção. Por esse motivo, ABSOLUTAS foi um nome que logo me instigou positiva e negativamente. Negativamente por se tratar de uma palavra que virou “clichê” na dança, na moda, no teatro, enfim, no meio artístico. E positivamente pela vontade de descobrir o que o Balé pretendia apresentar ao público com a palavra que intitula o espetáculo que apesar de “clichê” tem uma força imensa. Absoluta é o feminino de Absoluto e tem como sinônimos as palavras inteiro e completo. Com essa palavra o Balé nos convida a assistir, refletir e discutir, a partir das questões LGBTI, como as mulheres e as pessoas feminizadas, tiveram e continuam tendo seus direitos, sua liberdade, suas vontades, desejos e sonhos menosprezados, maltratados e até mesmo roubados ou violados.

Samuel Alvis é o nome do bailarino/coreografo que nos convida a descobrir o que é ABSOLUTAS, através de uma coreografia que mistura dança contemporânea, performance, stiletto e jazz, além de muita “passação”(diversão). O espetáculo é composto por Amanda Oliveira, Hellen Mesquita, Andressa Ventura, Adriano Abreu, Samuel Alvis, José Nascimento e Marcus Vinicius, bailarinos que conceituam a palavra ABSOLUTAS através do movimento de seus corpos em cena.

Ainda quando criança aprendi que para toda e qualquer forma de comunicação aproveitamos mecanismos como sons e gestos, além da própria fala. Extrair barulho usando o próprio corpo é uma das formas de expressar com mais ênfase certas reações ou sentimentos do homem, ação que acontece frequentemente em nosso dia a dia, sem que percebamos o quanto se faz útil em nossa comunicação. Neste sentido, uma de nossas ações mais frequentes de comunicação, através da extração do som corporal, seria o ato de bater palmas, uma pratica tão antiga que pouco se sabe sobre sua origem, apenas podemos especular nos baseando nos registros históricos. Esse ato de bater as mãos, as palmas, usado desde os rituais pagãos para atrair a atenção dos deuses foi se alterando com o tempo, ganhando outros significados.

Com o passar dos tempos, o uso das palmas se popularizou como uma forma de aprovação e manifestação de respeito, como é o caso de seu uso ao final de apresentações artísticas, e etc. Porém a ressignificação é uma pratica inerente ao homem moderno, então o uso das palmas hoje pode ser um ato de deboche, uma forma de afastar alguém indesejado ou anunciar coragem e a audácia em uma discussão, nesse último caso esse é o significado atribuído às palmas em uma briga de rua entre travestis. O ato de bater palmas, para mim, se configura em um movimento corporal de forte representatividade por se tratar de um gesto que possui ação física e som, um som extraído do corpo.

Um gesto, um gesto sutil, que me atravessou completamente pela forma como foi usado na coreografia. Uma coreografia/protesto bem elaborada, com domínio de movimentações corporais e amplo uso do espaço cênico por parte dos bailarinos, além do uso de um elemento simples, mas de grande impacto visual: a tinta. A tinta que surge discretamente e aos poucos vai sendo espalhada pelas pontas dos dedos, roçar de pernas, entrelaçar de braços, cabeça, corpos. São corpos esculturais, lambuzados de cores, cores que ao se misturarem se transformam em cor neutra. Neutro, tudo que não foi o bater de palmas destes corpos em cena. Cena que mostrou o underground, o que é escondido ou negado pela sociedade opressora e machista, ou que se esconde de si mesma por medo, o medo da violência, da não aceitação e até mesmo de ser feliz sendo simplesmente o que se é.

Escrito pela professora de Ballet, performer e aspirante a critica de arte Karla Sousa.

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Foto: Tássia Araújo
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