Antes de tudo é bom que se diga que eu sou um leigo, mas sinto e escrevi essas impressões baseadas nas sensações despertadas ao assistir à peça que intitula este texto.
As divinas mãos de Adam retrata a história de um paraplégico e cego, Stephen (interpretado por Mário Cardona), que contrata os serviços de um garoto de programa, Adam (interpretado por Héctor Medina). Um contato que vai se aprofundando e deixando de ser um simples serviço sexual. Posteriormente surge Ana (interpretada por Ana Carolina Rainha), a irmã de Stephen que se coloca contra aquele tipo de relação.
A situação inusitada na qual o espectador se depara é preenchida com detalhes sutis, os personagens que reconhecem na solidão e usam essa identificação para tecer laços. Dois egos que não se oprimem, libertam-se ao dialogar e deixam as portas abertas para conhecer o humano por trás do indivíduo.
Héctor insere no seu personagem alguns elementos que deixam a sensação de paz e tranquilidade. E ele usa a seu favor o seu sotaque e a sua voz, dando ao personagem um tom de inocência, tanto que pareceu camuflar o seu protagonismo, embora ele nunca tenha saído de cena. Já Mário traz uma voz completamente diferente da voz de Héctor, não só equilibrando a cena, como “engolindo” o personagem de Adam. A força projetada por Mário me deu a sensação de segurança que a personagem de Héctor parecia não possuir e isso acontece mesmo com todas as crises existenciais de Stephen, quebrando a ideia de ser alguém fragilizado pelas suas limitações, mostrando-se um personagem bem equilibrado.
A peça seguiu sem grandes variações, a narrativa me pareceu quase inteiramente linear, mas os saltos aconteceram mais no plano psicológico. Mesmo assim o ritmo das ações aconteceu de forma lenta, chegando a incomodar. Em contrapartida, os silêncios preenchendo as ações de Adam me pareceram bem colocados, embora por vezes eu tenha sido compelido a prestar atenção no olhar muito distante do ator, um olhar de quem se recorda de alguma lembrança.
As descobertas, aproximações e distanciamentos se dão no plano do discurso. A sutileza de Mário recheando a cena com seu corpo falante, imóvel, mas nunca inanimado provoca a empatia e estranhamento. Compadecemo-nos com aquele homem que deu significado àquele universo, ao corpo de um paraplégico, um homem que tem desejos, angústias e sonhos. E isso ficou visível.
A iluminação que pareceu sombria inicialmente, também me jogou dentro da história, uma variação acompanhada pelas ações das personagens. E assim como Adam, o mundo ao qual somos apresentados deixou de ser alheio e passou a ser comum.
O cenário que a priori me causou estranheza foi ganhando função e aos poucos fortalecendo a minha leitura da cena, dando lugar ao pequeno micro espaço de Stephen. E quando tudo pareceu se encaixar o ritmo da peça foi quebrado pela entrada de Rita, uma invasão quase violenta e quebrando a harmonia dos dois personagens.
Ana Carolina insere um elemento novo no drama, Rita é como a realidade que se apresenta aos personagens, a crueza do preconceito que adentra o espaço íntimo dos casais. E, ao contrário de Mário, Ana Carolina trouxe as expressões menos sutis para o palco. As máscaras faciais apresentadas pela atriz, demonstrando a sua força expressiva, inseriram um tom de comicidade à cena, ao meu ver afastando e causando certo ruído na história. Além disso o olhar questionador da atriz lançado em direção ao público e quebrando a quarta parede me distanciava da cena principal. Nesse sentido os pequenos silêncios nessa cena não me agradaram tanto, pois se tratava de uma ceda de conflitos.
Desse choque de realidade é que nasce o sentimento de proteção e ali, na confusão causada por Rita, os personagens assumiram os sentimentos pouco explorados. A peça finaliza com uma fala muito forte, mas que não transparece tanto essa força. Um discurso final que a meu ver resume e profere o desejo pela aceitação de todos os tipos de expressão do amor.
A peça “As divinas mãos de Adam” apresenta um drama atual, pois trabalha temas que são delicados e que, quando representados, ganham a força e causam empatia no espectador, mesmo os menos familiarizados com a questão da homoafetividade, das deficiências físicas e do preconceito. É um indício de que precisamos olhar com mais cuidado para o outro e enxergar além da diferença, perceber a pessoa que há por trás de todo estranho. E assumir não só o sonho, mas sobretudo a vida!
FICHA TÉCNICA
Elenco: Ana Carolina Rainha, Héctor Medina e Mario Cardona
Texto: Roberto Muniz Dias
Direção Artística: Emer Lavinni
Iluminação: Anauã Vilhena
Cenário e Figurino: Nina Nabuco
Trilha Sonora Original: Lucas Simonetti
Fotografia: Helton Santos
Fonoaudióloga: Leila Mendes
Assessoria Imprensa: Dulce Siqueira /Komulinka Comunicação.
Realização: Cia Popular Versátil